7 livros para entender a questão racial

Até mais ou menos a época da faculdade, eu repetia por aí os chavões mais comuns sobre a pretensa democracia racial brasileira, o que incluía a negação da própria existência do racismo. Trabalhar em jornal durante oito anos, depois ir pro Ministério Público e, especialmente, integrar um grupo de trabalho sobre discriminação racial, mudaram completamente meu modo de pensar – e sou extremamente grata por isso.

O grande desafio no combate à discriminação racial praticada no Brasil é justamente essa invisibilidade. Afinal, porque gastar tanta energia contra algo que não existe, né não? É uma luta inglória mas que, felizmente, começa a ter resultados. O nível de resistência às políticas afirmativas cresce na medida em que elas são adotadas. De certa forma, não deixa de ser um alento que as pessoas estejam sendo confrontadas com seu preconceito e instadas a declará-lo.

O racismo está deixando de ser invisível para quem, até pouco tempo atrás, não imaginava conviver com negros fora dos espaços que haviam sido socialmente delimitados para eles – e isso não incluía a Universidade. Para quem é negro, obviamente, o racismo nunca deixou de ser uma realidade cotidiana.

Nesse meu processo pessoal de desconstrução do mito da democracia racial, a leitura foi de extrema importância para aprofundar o entendimento sobre o que eu via na rua e ouvia em conversas sobre o tema. Acabei acumulando uma prateleira inteira de livros dedicados à questão, com temas, gêneros e recortes dos mais diversos.

Nesse 20 de novembro, quando comemoramos o Dia da Consciência Negra, compartilho com vocês algumas dicas de leitura sobre a questão racial. Da ciência ao futebol, de ensaio a romance, do Brasil à África do Sul, passando pela Gâmbia – algumas páginas pra abrir a cabeça e o coração sobre a urgência de reaprendermos nossa história e nossas práticas sociais.

E peço logo desculpas antecipadas: tenho, mas ainda não li, Casa Grande & Senzala. Se você leu e quer deixar sua contribuição, escreva nos comentários.

Viva Zumbi e boa leitura!

PS: A foto lá em cima foi tirada durante uma festa no quilombo Serrote do Gado Brabo, em São Bento do Una, interior de Pernambuco.

1. O negro no futebol brasileiro, de Mário Filho (Editora Mauad X)

IMG_5153O irmão mais velho de Nelson Rodrigues deixou pra gente uma obra fundamental sobre dois aspectos indissociáveis da identidade brasileira: futebol e racismo. Publicado em 1964, o livro aborda o período da profissionalização do esporte no Brasil, quando os times deixam de ser formados exclusivamente pelos ricos sócios dos clubes para terem, também e cada vez mais, jogadores profissionais, que recebiam salários para jogar bola. É quando os negros começam a ser aceitos por seu talento – mas apenas como empregados. Estrelas dentro das quatro linhas, eram impedidos de entrar nos clubes pela porta da frente. Até depois da Copa de 1950 – ou seja, às vésperas do surgimento de Pelé -, vários times ainda se orgulhavam de manter apenas jogadores brancos. 


2. Nabuco em Pretos e Brancos
, de Fabiana Moraes (Editora Massangana)

IMG_5149A reportagem de Fabiana Moraes foi publicada originalmente como caderno especial do Jornal do Commercio, em alusão aos 100 anos da morte de Joaquim Nabuco. O dândi abolicionista é tratado aqui na complexidade de sua personalidade e dos ideias do período, em que defender a libertação dos escravos não significava exatamente reconhecer a igualdade entre as raças. Além de textos críticos de outros autores, o livro reúne também o perfil de 10 personagens – cinco negros bem sucedidos, cinco brancos pobres – para problematizar as nuances da questão racial que, no Brasil, se traveste de social. É na história dessas pessoas reais que fica claro: um negro muito rico é, ainda assim, um negro (ou um quase branco); um branco muito pobre é, ainda assim, um branco (ou um quase negro). O quase faz toda a diferença: a cor como motivo para o preconceito ou como capital para diferenciar-se dos pares menos favorecidos ainda são marcadores fortes o suficiente para anular os efeitos do poder aquisitivo na interação social. A série completa ainda está disponível no site do JC


3. Negras Raízes
, de Alex Haley (Record)

IMG_4416Esta foi a leitura que mais me impactou em 2015. Das histórias de família que ouvia de sua avó e de suas tias, o escritor afro-americano Alex Haley tirou as pistas que o permitiram rastrear com exatidão o ancestral africano sequestrado da Gâmbia em 1750 e levado como escravo para os Estados Unidos, dando início à sua família. O livro se desenvolve principalmente em torno desse antepassado e de sua luta para preservar a memória de sua origem, algo que o regime escravista em todo o mundo apagava sistematicamente, negando aos escravos seus nomes, sua língua e apartando famílias. O poder de Negras raízes está em mostrar que a situação contemporânea dos negros no mundo não é acaso: é resultado direto da violência iniciada com o tráfico negreiro e que foi carregada de geração em geração, com todas as suas consequências, até os dias atuais. Leia a resenha completa.


4. O Clube do Bangue-Bangue
, Greg Mairnovich e João Silva (Companhia das Letras)
IMG_5150Este é um livro autobiográfico sobre quatro fotógrafos sul-africanos, incluindo os dois autores, que se especializaram na cobertura de conflitos na periferia negra de Joanesburgo, no período entre a libertação de Nelson Mandela (1990) e as primeiras eleições igualitárias na África do Sul (1994). Como eles percebiam no dia a dia – e ficaria provado anos depois – a guerra civil era estimulada e mantida pelo governo branco como forma de fomentar questionamentos sobre a capacidade dos negros de gerenciar o País – um alerta sobre como políticas de Estado nem sempre são feitas às claras. Um dos fotógrafos do grupo, Kevin Carter, foi o autor da célebre imagem de um menino africano desnutrido, caído no chão, enquanto um urubu o espreita de perto. O que pouca gente sabe é que o garoto estava dentro de um campo de refugiados, a poucos metros de um hospital de campanha. A imagem que chocou o mundo levou Carter ao suicídio, diante das questões morais que se colocaram: um clique em vez do socorro; um enquadramento que distorcia a realidade; ao mesmo tempo em que essa “realidade distorcida” levou o mundo a reconhecer um problema até então invisível. O livro, portanto, é também sobre como 
o jornalismo, às vezes, precisa ter coração duro pra confrontar o mundo com verdades incômodas.

5. Raça Pura, de Pietra Diwan (Editora Contexto)

IMG_5152Eugenia era a “ciência” que advogava a pureza da raça até meados do século 20. Foi o que amparou o Nazismo na Alemanha e – surpresa! – várias políticas de Estado no Brasil republicano. Após o fim oficial da escravidão, o País deu início à sua política de atração de imigrantes europeus com o intuito de embranquecer a população brasileira, o que na época se pensava ser um requisito indispensável ao desenvolvimento nacional. Quando não pela imigração, o “embranquecimento” vinha das práticas educacionais e sanitárias, que visavam eliminar marcas culturais de origem africana do cotidiano da população mais pobre. Um dos grandes “estudiosos” dessa “ciência” era Renato Kehl, amigo pessoal e protegido de Monteiro Lobato. Além de uma história da eugenia no mundo e na América do Sul, o livro traz também um capítulo especial sobre a relação entre os dois, que é fascinante: nas cartas para Kehl, Monteiro Lobato se gaba de seu racismo e de seu projeto de País que envolvia a extinção dos negros no território nacional.


6. O presidente negro ou O choque das raças
, de Monteiro Lobato (Clube do Livro) 

IMG_5147Não é por acaso que, para seu único romance adulto, Monteiro Lobato escolheu a eugenia como tema, inserindo-a em um enredo futurista. No ano de 2228, a corrida presidencial americana está dividida entre o candidato branco, que concorre à reeleição; uma mulher branca feminista; e um candidato negro, com reais chances de ganhar – o que, para Lobato, corresponderia mais ou menos ao fim do mundo. O autor d’O Sítio do Pica-Pau-Amarelo destila todo o seu assumido preconceito nesse romance, que apresentava como uma espécie de alerta para a necessidade de embranquecer a população brasileira e assim assegurar o futuro da nação. No contexto da polêmica sobre os pensamentos de Lobato sobre a questão racial, esse livro é importante porque deixa pouca margem à interpretaçãoLi o romance em 2008, de um exemplar comprado no sebo, durante as prévias democratas entre Barack Obama e Hilary Clinton. Por conta da coincidência entre as situações, escrevi na época uma matéria para o Suplemento Pernambuco, mas infelizmente não encontrei o link na internet. Já o livro foi relançado pela Editora Globo.


7. Branquidade
, de Vron Ware (org.) (Garamond)

IMG_5151Partindo de um ponto de vista oposto ao mais tradicional, a série de ensaios reunida neste livro busca entender o que faz de uma pessoa branca ser branca. Para além da cor da pele, os mecanismos de manutenção de privilégios e de diferenciação social baseados na perpetuação do poder são tão importantes para entender o racismo quanto o olhar que vêm a partir do conceito de negritude. O discurso da branquidade não é explícito, pois naturalizado: o normal é ser branco, as outras raças é que tem uma identidade de cor. O privilégio cega, e esse é um grande problema não só no combate ao racismo, mas na discriminação de gênero, por exemplo. Olhar o outro é fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, mas às vezes é preciso também olhar para nós mesmos.

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