O teatro sujo de Philip Roth

IMG_6074[1]O romancista norte-americano Philip Roth não mede esforços para ser desagradável. Constrói em seus romances um quadro realista, e sombrio, não apenas do país do “american way of life”, mas, de forma mais ampla, da humanidade. Li pouco de sua obra, mas até agora não há tempo fácil na literatura de Roth, apontado, com justiça, como um dos mais importantes escritores contemporâneos.

Terminei atônito minha jornada de leitura do romance O teatro de Sabbath, escrito em 1995, que acaba de ser relançado em edição de bolso pela Companhia das Letras, com excelente tradução de Rubens Figueiredo.

E por quê o livro me deixou atônito? Sem fazer spoilers, é preciso contextualizar o romance.

Sabbath é o sobrenome do personagem principal, Mickey Sabbath, um judeu nascido nos anos 1940, que se dedica ao teatro de fantoches e títeres. Mas não aquele teatro fofinho para crianças. Ele perambula pelas ruas de Nova York, no começo dos loucos anos 60, apresentando um espetáculo adulto, envolvendo moças universitárias com suas artimanhas, a ponto de conseguir que os personagens vividos por seus dedos espertos consigam abrir decotes, levantar saias e, ao fim de muitas apresentações, levar para a cama de um hotel barato alguma de suas espectadoras.

Mas a narrativa do romance é feita em retrospectiva. Já no fim da vida, morando em meio às montanhas da Nova Inglaterra com sua segunda mulher, uma ex fã do titerista e artista plástica fracassada, Sabbath vive das migalhas da pensão da companheira. E de um romance tórrido com Drenka, imigrante croata, casada, que administra uma famosa pousada da região.

Em uma história entrecortada entre passado longínquo, juventud, vida adulta e o presente da decadência, Roth vai colocando na bandeja para servir ao leitor os temas recorrentes de sua obra. A guerra, a questão judaica, sexo e pornografia, antissemitismo, machismo, racismo. E, talvez, dois de seus grandes temas. O envelhecimento e a morte.

Assim, na conturbada biografia de Sabbath, neto de um rabino que deu o nome à família, vemos a perda de um irmão, morto em combate na 2ª Guerra Mundial. A vida em uma praia suburbana de Nova Jersey, os pesados conflitos dos judeus locais com italianos e irlandeses. A idade avança, vem a juventude e a descoberta da vocação para o teatro. Uma relação com uma mulher que some misteriosamente da vida de toda a comunidade artística de Nova York. A cidade, aliás, é onipresente em toda a narrativa. Mesmo morando isolado nas montanhas, perambulando sujo e maltrapilho pelas estradas da Nova Inglaterra, Sabbath não deixa Nova York sair de seu pensamento. Reminiscências de sua vida como promissor diretor teatral e titereiro se confundem com a lembrança da decadência da cidade, que ao fim dos anos 1960 se torna suja e extremamente violenta e um retorno forçado nos anos 1990, quando esta ainda luta para voltar a ser uma metrópole sedutora, fazem com que a Big Apple seja tão importante dentro da narrativa quanto os personagens de Sabbaht e de Drenka, sua amante do leste europeu.

Roth não usa meias palavras para relatar as aventuras sexuais de seu protagonista. O linguajar é direto, sem rodeios. O casal de amantes se aventura no sexo grupal, na escatologia e em outras experiências que fazem com que as brincadeiras do mocinho de Cinquenta tons de cinza pareçam coisa de jardim de infância. E ainda tem uma história de necrofilia, que, acreditem, é um dos poucos momentos hilários de toda a narrativa. Existe um certo humor, mas trata-se de um humor sujo, escroto, preconceituoso. Roth, o tempo todo, testa o limite dos leitores.

Velho e doente, Sabbath também é uma figura atormentada pela velhice. A impotência que assombra seu insaciável apetite sexual e a morte precoce da amante o levam a flertar com a ideia de suicídio. Este flerte, aliás, rende alguns dos momentos mais agudos do romance e uma segunda cena de humor mais leve, quando o velho titereiro vai ao cemitério judaico em que seus parentes estão enterrados para comprar seu próprio túmulo e se põe a imaginar como seria seu epitáfio e quem viria ao seu enterro.

O teatro de Sabbath é uma leitura importante para entender os Estados Unidos de hoje, mesmo ambientado entre os anos 1940 e 1990. Por quê também coloca em cena a forte cultura do ódio racial que parece ser uma das marcas mais fortes daquele país.

Para mim, ler Philip Roth é também um exercício. Explico.

Tenho alguma dificuldade com o romance norte-americano da segunda metade do século XX e também com autores mais jovens. Tenho a sensação, bem subjetiva, de estar lendo grandes histórias gestadas em laboratórios de criação literária de universidades. Técnica pura desfilando aos olhos do leitor. Técnica em excesso. E muita verborragia. Longos diálogos e descrições que também parecem servir para orientar um futuro roteiro de Hollywood. Roth vai além disso, porque faz uma literatura baseada em temas pesados e sem concessões. Mas ainda assim não me agrada tanto quanto as escolas europeias e latino-americanas, que me parecem menos laboratoriais e, portanto, produtoras de obras que lidam melhor com a fantasia. Como disse, é uma sensação subjetiva e um gosto pessoal. Mas isso não me impede de querer mais. E, para reparar uma lacuna, penso em me aventurar no clássico Pastoral americana, a mais festejada e aclamada obra de Philip Roth. Quando ler, volto aqui para comentar.

Gostou? Comprando na Amazon usando o link a seguir, você ajuda a manter o Lombada Quadrada: Teatro de Sabbath.

5 comentários sobre “O teatro sujo de Philip Roth

  1. Carlos, gostei do texto. Especialmente do último parágrafo, já que sinto algo parecido. Me parece que os romances estadunidenses das últimas décadas são os romances mais romances já romanceados. Como alguém que prefere narrativas enxutas e poemas, cria uma certa aversão.

    No mais, por onde tu recomenda começar com o Roth? Falam tanto desse homem que sinto que alguma hora vou ter ler o indivíduo.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Oi, Arthur. Obrigado pelo comentário. Legal saber que não sou o único a ter essa sensação de que os romances americanos, em muitos casos, parecem ter surgido dentro de um laboratório.
      Em relação a Philip Roth, não sou um grande especialista. Do que já li, te recomendaria “O homem comum”. Do que falam a respeito da obra dele, “Pastoral americana”, que pretendo ler logo, parece ser uma ótima referência. Quando ler, volte aqui pra contar.
      Abraço,
      Carlos

      Curtir

  2. Espero que você não tenha perdido seu tempo com “Pastoral americana”… “A marca humana” é muito melhor. Abraço!!

    Curtir

    1. Ainda não me aventurei em nenhum dos dois. Mas estou mesmo mais inclinado para “A marca humana”.
      Obrigado pela visita, leitura e comentário.
      Abraço!

      Curtir

Deixe um comentário