São muitas as formas de se analisar um romance. Ao final da leitura de Cloro, nova obra de Alexandre Vidal Porto, solidão foi a palavra que definiu minhas impressões sobre o livro, publicado pela Companhia das Letras em 2018.
Emulando Machado, o romance nos é narrado, em sua primeira parte, por um morto. Constantino, o personagem, acaba de morrer em circunstâncias um tanto constrangedoras. Do limbo onde se encontra, vai nos contando sua vida em retrospectiva.
Vidal Porto constrói em capítulos curtos o emaranhado da vida de Constantino. Da infância e os conflitos na escola, quando pela primeira vez foi chamado de bicha por um colega de classe, passando por uma adolescência vivida no conforto de uma família de classe média alta. Viagens à praia, o começo do namoro com Débora, as noites passadas no quarto dos meninos quando se hospedava na casa dos futuros sogros e os olhares para o corpo do cunhado.
Uma bem sucedida incursão na advocacia garante ao adulto recém formado uma vida de conforto. Daí para o casamento, os filhos, a mulher que cuida da casa e das crianças. Uma vida perfeita, narrada com precisão.
Mas essa vida perfeita era acompanhada de um permanente vazio. As lembranças do braço forte do professor de natação da infância, os olhares para o corpo do cunhado e a falta de apetite para o sexo no casamento mostram que Constantino vive na solidão de um armário no qual nem tem a plena consciência de estar metido.
Até que uma ruptura trágica em sua vida o coloca diante da idade que avança e dos desejos até então reprimidos. E inicia-se a vida dupla. Situação que é comum a milhares de homens e mulheres que não conseguem, por variados motivos, assumir sua homossexualidade.
Entre encontros fortuitos facilitados pelos aplicativos de paquera, eis que surge a paixão pelo diplomata Emílio, iniciada em um casual encontro de trabalho. Mas Constantino não consegue romper o bloqueio. Como assumir sua condição para a família? Como lidar com isso em sua carreira de advogado famoso? E a solidão se aprofunda, quando o amante sai do país e termina a relação. Até que aos cinquenta e poucos anos, Constantino morre, em uma situação que escancara sua vida dupla.
Começa aí a segunda parte do romance. Em narrativas bem curtas, a mulher, o cunhado, o amante e pessoas ligadas às circunstâncias da morte mostram o “outro lado”. Por mais que escondesse, havia a suspeita da vida dupla. Por mais que levasse uma vida de sucesso e conforto financeiro, quem o cercava sentia que ali havia um turbilhão de sentimentos reprimidos.
Alexandre Vidal Porto constrói essa história com leveza, boas doses de humor e muito sarcasmo. Mas é uma leitura necessária nestes tempos em que parece haver um recrudescimento da repressão à sexualidade, em contraponto aos avanços das últimas duas décadas. Homofobia, autocensura, a vida no armário. A solidão de Constantino é um alerta para que as vozes não se calem.
Belo romance, com essa linda capa, extraída de uma obra de Adriana Varejão e que parece ter sido feita sob medida para o episódio da morte (ufa, consegui evitar o spoiler).
Narrado por um morto? Ideia interessante
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Como é “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Não é original, mas se for uma narrativa coerente, e nesse caso é, fica com ar de verossimilhança. A ficção tudo aceita, desde que seja bem tratada. Recomendo a leitura.
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Então, fiquei curioso justo pela premissa do Memórias. Está anotadinho, com certeza lerei
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Combinado
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