‘Snikt!’ Uma HQ japonesa sobre Wolverine

Essa é a primeira vez que eu escrevo sobre quadrinhos mainstream aqui no blog. E a razão é que fiquei bem impressionada com o trabalho do desenhista e roteirista japonês Tsutomu Nihei com meu personagem preferido – o Wolverine.

Eu nunca fui uma consumidora super constante de quadrinhos de heróis. Tenho algumas edições históricas e tals, mas não sou aquela pessoa que compra a série todo mês. De vez em quando dá uns surtos, e foi num desses, semana passada, que vi umas HQs com preço bom no site da Panini. Encomendei algumas revistas e graphic novels que eu ainda não tinha, e entre elas a Snikt!, a mangaká de Nihei.

Primeiro, é preciso falar do formato: o livro é um pouco menor que as HQs tradicionais, mais próximas do tamanho de revistas mesmo. Essa tem mais o formato de um livro, super confortável de pegar na mão, e com uma sensação de mais robustez. Salvo a capa em papel couchê brilhante, todo o resto é em offset fosco, o que deixa aquele ma-ra-vi-lho-so cheiro de tinta no papel.

Aí vem a história.

Esta HQ é isolada e não se comunica com nenhuma outra narrativa sobre Logan. Só sabemos que ele está nos X-Men porque é retratado usando uma jaqueta com um X no ombro, mas nenhum outro personagem do grupo mutante está na história. Logo nas primeiras páginas, Wolverine aparece no que parece ser um mundo destruído, cercado por seres que estão prestes a atacá-lo. Ele está de pé, tem as garras ejetadas, e apenas espera. São três páginas de desenho e colorização exuberantes.

Corta. As primeiras palavras da HQ indicam que fomos transportados para “antes”, em Nova Iorque. Logan anda sozinho pela cidade quando é abordado por uma moça de traços orientais que lhe pede que segure sua mão. Sem saber direito o que está acontecendo, ele o faz – e é transportado para muitos anos no futuro, para uma Terra em que praticamente toda a humanidade foi dizimada por uma entidade surgida a partir de um experimento que deu errado com uma bactéria.

A ideia dos cientistas humanos era sintetizar o organismo para que ele digerisse toxinas nocivas à Terra, numa forma de combater a poluição. Mas o bicho cria vida própria e passa a destruir as cidades e acabar com a população humana. A moça que Logan encontrou em Nova Iorque é Fusa, alguém com a capacidade de se mover entre os tempos, e que o traz do presente como última cartada da resistência humana para acabar com o organismo que está aniquilando todo mundo. Não é spoiler se eu disser que tem a ver com o adamantium, né?

O enredo em si não é a coisa mais original que já se viu em quadrinhos de super-heróis, mas quero falar de duas coisas, principalmente:

A primeira é a economia do texto.

HQs de heróis tendem a ser excessivamente explicativas, ou por uma deficiência da própria narrativa, ou por inabilidade dos roteiristas. A economia de palavras, tão rara nos quadrinhos, aqui é usada de maneira muito eficiente, sendo fundamental para o ritmo da história e, para o que mais importante, a primazia do desenho.

E este é o segundo ponto.

Não se trata apenas de uma questão estética, mas podemos começar por ela: Nihei coloca o seu traço a serviço da ação e isso fica muito claro pela ausência de poses e ângulos equivocados que são tão comuns nos quadrinhos americanos – músculos irreais, posições que fazem você pensar se o personagem é uma pessoa um boneco de borracha. Assim, mesmo que ambientado em um mundo que lembra a Matrix, tudo parece mais real, porque o personagem – sem ser desenhado com hiperrealismo – tem proporções humanas, reconhecíveis.

O Logan de Nihei é mais hábil do que forte, uma figura magra que por vezes lembra Edward, Mãos de Tesoura, mas cuja potência está nos movimentos orgânicos e na expressão dos olhos, ainda que desenhista não caia nunca no truque barato de fazer closes tipo Sérgio Leone.

Além disso, o cenário é importante. Em vários momentos, Logan é apenas um pontinho no meio da paisagem, o que ambienta o leitor no tipo de lugar em que ação se desenrola. Há vários quadros sem texto, o que faz com que seja necessário LER O DESENHO. E isso é maravilhoso, embora não estejamos mais acostumados. Várias vezes, precisei voltar alguns quadros para me localizar na ação, e observar informações cruciais que às vezes ocupam um pedaço muito pequeno da página.

Nihei desenha em preto e branco, e pelo material incluído ao fim da HQ fiquei sabendo que o excelente trabalho de colorização foi feito pelo estúdio americano GURU-eFX. Eles optaram por deixar apenas o rosto dos personagens em preto e branco quase chapado, o que remete um pouco à maquiagem do teatro Kabuki (não sei se foi essa a intenção).

Enfim, dos últimos trabalhos que li sobre o Wolverine, esse é de longe o melhor, pela capacidade técnica e inventiva de desenho e roteiro, e pela coragem de abandonar a confusa timeline do personagem para enveredar por uma narrativa original e super atual. Afinal, se tem uma coisa que estamos aprendendo com essa sequência de “Trump-Bolsonaro-Pandemia-Aquecimento Global-Trump+Musk” é que o apocalipse não é uma possibilidade assim tão absurda.

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