Eu nem sei o que dizer, só o que sentir. E o que senti foi tédio ao ler Nebulosas, de Narcisa Amália, mais um dos livros indicados pela Fuvest para o vestibular de 2026. Portanto, caro vestibulando, força aí.
Publicado em 1872 quando a autora tinha apenas 20 anos, o livro com 42 poemas divididos em três partes é a única obra conhecida da autora, considerada a primeira mulher jornalista do Brasil, nascida de uma família de classe média alta.
O livro recebeu elogios na época em que foi publicado, inclusive de Machado de Assis. Narcisa Amália furou a bolha em um tempo no qual ela era praticamente de titânio para as mulheres – o que é digno de nota. Mas salvo os leitores que sejam estudiosos ou fãs ardorosos do romantismo na poesia, o feito de Narcisa não é suficiente para fazer do livro uma experiência interessante para os leitores contemporâneos.
Os versos são metrificados com temas que variam entre a intimidade feminina, as cidades, as paisagens e a natureza em geral, os astros e o firmamento em diálogo com a existência humana, e outros mais políticos, que aludem à Revolução Francesa e à independência do Brasil, com forte influência do liberalismo e do iluminismo. Enquanto estes são ufanistas, os poemas mais intimistas têm um tom interessante, entre pessimistas e até mórbidos (“Meu anjo inspirador é frio e triste”, diz em um dos versos). Mas sempre com uma escrita muito empolada, típica do romantismo, e com excesso de exclamações.
Os vestibulandos vão precisar prestar bastante atenção às discussões em sala de aula para entender algumas nuances e diferenças entre as três partes do livro e que estão associadas a diferentes fases do romantismo no Brasil. Apenas a leitura do livro dificilmente vai ajudar a responder questões sobre escola literária e estilo.
Há também a possibilidade de explorar o livro a partir de ligações com a história do Brasil no final do século 19. Na década seguinte à publicação de Nebulosas, a escravidão foi abolida e a República foi proclamada. Narcisa Amália é considerada abolicionista e, de fato, aborda a questão em alguns de seus poemas – mas de forma não muito evidente. Eu achei as alusões excessivamente discretas e às vezes até mesmo mal colocadas, como no poema O africano e o poeta, em que o personagem principal é… o poeta.
No canto tristonho
Do pobre cativo
Que elevo furtivo.
Da lua ao clarão;
Que escalda-me o rosto,
De imenso desgosto
Silente expressão;
Quem pensa? – o poeta
Que os carmes sentidos
Concerta aos gemidos
Do seu coração.
Este é só o trecho inicial do poema, que segue inteiro voltado aos sentimentos do artista, e não ao do ser humano submetido à escravização. Nesta matéria do Jornal da USP, o pesquisador Lucas Viana Gregório fala exatamente desta questão: embora apoiasse a abolição, Narcisa o fazia de longe, sem envolvimento direto na causa e muito mais do lugar de escritora que abordava a questão como tema, como no exemplo acima.
Ao ler o livro, fiquei com a impressão de que, com essa escolha, a Fuvest se propôs a inserir uma mulher neste período da linha do tempo da literatura Brasileira, como eu acho que ocorreu também com Opúsculo humanitário, de Nísia Floresta. E aí, por razões óbvias, há muito menos mulheres escritoras (para não dizer nenhuma) do que homens na época.
O feito de Narcisa não foi pequeno e ela, é claro, merece todo o reconhecimento póstumo. No entanto, ainda considero mais um caso de autora que poderia ser estudada nas aulas de literatura sem necessariamente que o livro inteiro fosse colocado na lista de leituras para o vestibular. Se você vai fazer a prova este ano e ainda não começou suas leituras, eu considero que será mais produtivo ter algumas boas aulas para entender a obra de Narcisa a partir de poemas específicos do que ler o livro inteiro sem orientação.
Ah: a edição que li foi a da editora A+M – bonitinha, com capa dura e bom acabamento, mas com problemas de revisão e sem textos de apoio.
olá! gostei da resenha! realmente, uma leitura densa, difícil — mesmo com assuntos em geral simples (românticos) — por conta da escolha lexical… — mas gostei de sua abordagem!
[ carlos_carneiro – literaturapretensiosa.blogspot.com ]
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