No ano passado, Carlos e eu pensamos em começar uma série de leituras para abarcar pelo menos um autor ou autora de cada estado brasileiro. Foi mais ou menos quando fomos à Belém, no Pará. Visitamos uma livraria local e voltamos com uns dois ou três títulos locais. Mas, depois disso, o mais longe que conseguimos chegar foi fazer uma lista dos estados por ordem alfabética, sem de fato começar a empreitada.
Até que uns três meses atrás, num rompante, duas integrantes do grupo de apoiadores do podcast 30 Minutos (Bianca Rojo e Camila Nakamura) lançaram uma ideia semelhante – com a grande vantagem de terem empolgação suficiente para efetivamente começar, além de convencerem outras pessoas a embarcarem na história. Foi assim que nasceu o Desafio Lendo o Brasil, que começou em agosto de 2025 e deve seguir com um livro por mês até meados de 2027. Eu, claro, topei na hora (risos nervosos).
O Desafio tem uma regra só: ler um livro por mês, de um estado cuja ordem foi sorteada de antemão (veja abaixo). Fora isso, os participantes podem ler o que quiserem, sem obrigação de ler todo mundo a mesma coisa. Aqui, eu decidi dar prioridade ao que já tiver nas minhas estantes e, no momento em que escrevo este post, estou com um inventário pela metade.
Para surpresa de absolutamente ninguém, a maior parte dos livros ainda não lidos aqui em casa são de autores (majoritariamente homens mesmo) de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Tem alguns nordestinos, alguns do Sul, quase nenhum do Centro-Oeste e, da região Norte… que vergonha.
É justamente por esse motivo que o Desafio é interessante: nos faz buscar ativamente por escritoras e escritores fora do radar das editoras e livrarias, uma forma interessante de conhecer trabalhos com narrativas e pontos de vista para além da realidade das metrópoles sudestinas ou do cânone já consagrado.
Eu tenho compartilhado minhas leituras do Desafio no Instagram do Lombada, mas aí me deu o estalo de juntar tudo aqui, neste post que será atualizado mensalmente até o fim do desafio. Ainda não sei direito como vai funcionar, mas talvez eu deixe ele fixo na homepage sempre que tiver uma atualização. De toda forma, quem animar de atualizar pelo Instagram vai poder também encontrar as @ dos outros participantes e ver o que eles também estão lendo.
Vou deixar as sinopses aqui em cima sempre da mais recente para a mais antiga. Mas lá embaixo fica a lista da ordem sorteada. E se você animar de entrar no desafio, manda um alô pra gente!
Já lidos
RIO GRANDE DO SUL | Dezembro 2025
Os supridores, de José Falero, foi o livro escolhido para representar o Rio Grande do Sul em dezembro. Depois de um primeiro capítulo dispensável, o livro escala bem rápido com a dupla de repositores de supermercado Pedro e Marques fazendo planos de enriquecer vendendo maconha em suas quebradas, bairros pobres de Porto Alegre.
Pedro, jovem com consciência de classe, é quem convence Marques e outros três amigos a entrar no esquema com um longo discurso sobre a injustiça da desigualdade de renda que faz pensar e rir ao mesmo tempo – Pedro, o pobre inteligente que, como o João Grilo, de Ariano Suassuna, dá seus pequenos golpes pois é isso que resta pra manter um mínimo de dignidade.
O plano da certo e eles se veem rapidamente empreendendo mais e mais no tráfico de maconha – até chamarem a atenção de rivais e a coisa toda degringolar rapidamente. Gostei bastante e certamente lerei mais Falero.
RIO DE JANEIRO | Novembro 2025
O passeador, de Luciana Hidalgo, está aqui em casa desde o lançamento em 2011 e já tinha sido lido por Carlos, que gostou muito na época. Provando uma das utilidades do #DesafioLendoOBrasil, ele foi o livro do Rio de Janeiro que eu escolhi para completar o compromisso de novembro, assim diminuindo a pilha de livros comprados e não lidos.
O romance usa um jovem Lima Barreto – aqui chamado apenas por seu primeiro nome, Afonso – andando pelas ruas centrais da então capital do Brasil bem na época em que um impulso modernizador colocava todo o centro abaixo para a construção de novas avenidas e edifícios mais condizentes com “o futuro”.
O jovem, negro e pobre Afonso já queria ser escritor e frequentava as livrarias do centro para ler os livros que não conseguiria comprar, incluindo o sebo de um português em torno do qual gira toda a geografia narrativa. Em suas andanças, Afonso pensa sobre sua condição e a da sua escrita de forma quase indissociável da cidade que ele vê se desfazer a seus pés, enquanto assiste ao surgimento de algo que também ninguém sabe ao certo do que se trata.
AMAPÁ | Outubro 2025
Semente de sangue foi o livro do Amapá escolhido para o #DesafioLendoOBrasil de outubro. O romance de Gabriel Yared parte de uma ótima ideia: explorar a história local em um romance de terror no qual os conflitos e atrocidades do passado estão em eterno retorno. Ambientada em Mazagão Velho, o cerne da narrativa é uma família descendente de portugueses estabelecidos na região depois de expulsos do Marrocos no século 18 pela população moura.
A execução, porém, poderia ter sido melhor trabalhada, tanto com relação à narrativa quanto à linguagem. Há excessos de descrição que não contribuem para a forma nem para a história, uso exagerado de um vocabulário “difícil” e, por outro lado, notas de explicação desnecessárias para termos de uso local (é bom que o leitor tenha que lutar um pouco, faz parte). Mas enfim, gostei de ter conhecido a obra, o autor, e um pouco da história do Amapá da qual eu não fazia ideia.
AMAZONAS | Setembro 2025
Tinha três opções de Milton Hatoum ainda não lidas na minha estante para ler o Amazonas em setembro e escolhi Órfãos do Eldorado porque a história se passa lá. No começo, fiquei esperando aquele desespero alucinado de Dois irmãos, depois deixei o livro falar por si e acabei adorando.
Arminto é um jovem herdeiro de propriedades e uma firma de transporte de cargas numa vila no interior do Amazonas. Não faz absolutamente nada a não ser gastar dinheiro e ficar obcecado com uma garota órfã que mora, como muitas outras, em um convento. A história começa no início do século 20, antes da Primeira Guerra, quando a febre da borracha ainda não tinha começado.
Assim, conhecemos a vida numa comunidade que de “pioneiros” que explora a Amazônia apostando em seu futuro, ao mesmo tempo em que preda as vidas que já estavam ali – sobretudo, das meninas indígenas.
Gostei bastante, mas minha paixão ainda é Dois irmãos.
BAHIA | Agosto 2025
Demorei a postar, mas juro que terminei o primeiro mês do #DesafioLendoOBrasil no prazo! Mainá foi o livro escolhido para o estado da Bahia, que caiu em agosto, e deixa logo eu explicar: apesar de totalmente identificada com a cena musical pernambucana, Karina Buhr nasceu em Salvador e viveu por lá até os sete anos de idade.
A compositora, cantora e percussionista é também uma escritora incrível, e fiquei feliz de aproveitar o desafio para finalmente ler Mainá. O título faz alusão à personagem central dos vários pequenos capítulos do livro: uma menina/mulher fora do tempo, para quem tudo é simultâneo. É difícil descrever Mainá, pois o livro é menos de uma narrativa, e mais de sensações, uma costura de pequenos causos envolvendo espiritualidade, vivência cultural e acontecimentos autobiográficos. Dá pra dizer que Mainá é um livro sobre linguagem, essencialmente.
Ordem de leitura
Rondônia | Janeiro 2026
Alagoas | Fevereiro 2026
Espírito Santo | Março 2026
Pará | Abril 2026
Sergipe | Maio 2026
Piauí | Junho 2026
Santa Catarina | Julho 2026
Distrito Federal | Agosto 2026
São Paulo | Setembro 2026
Tocantins | Outubro 2026
Minas Gerais | Novembro 2026
Paraná | Dezembro 2026
Goiás | Janeiro 2027
Roraima | Fevereiro 2027
Pernambuco | Março 2027
Mato Grosso | Abril 2027
Maranhão | Maio 2027
Mato Grosso do Sul | Junho 2027
Rio Grande do Norte | Julho 2027
Acre | Agosto 2027
Paraíba | Setembro 2027
Ceará | Outubro 2027





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