Da aldeia para o mundo, via Copacabana          

Crônica é literatura ou jornalismo? Esse gênero essencialmente brasileiro, já foi mais presente nas páginas dos jornais, com versões radiofônicas e televisivas. É só lembrar dos textos de Armando Nogueira para os programas esportivos da TV Globo pra entender que a arte de usar os espaços jornalísticos para transmitir impressões pessoais fez a fama de um bocado de gente.

Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, Carlos Drummond de Andrade (começando com o time dos mineiros), Nelson Rodrigues, Lourenço Diaféria, Luis Fernando Veríssimo, Marcos Rey, Rachel de Queiroz, Affonso Romano de Sant’Anna, Ferreira Gullar, Marina Colasanti, Ignácio de Loyola Brandão, Machado de Assis, Ivan Angelo. Escalei aqui uma seleção nacional da literatura brasileira. Todos publicados na coleção Para gostar de ler, que foi a porta de entrada para as letras de toda uma geração de leitores brasileiros, incluindo a minha pessoa. Eram crônicas, textos curtos, bem humorados ou ranzinzas, em tom pessoal, para acertar contas com o vizinho do 903, reclamar da prefeitura ou devanear sobre a diferença entre inverno e verão nas ruas do Rio de Janeiro.

E olha que ainda temos Carlos Heitor Cony, Ruy Castro, mais recentemente, as belíssimas crônicas de Caio Fernando de Abreu ou, na atualidade, os textos de Antonio Prata e outros. Com o declínio acelerado dos jornais impressos, o espaço da crônica está cada vez mais reduzido. Mas o que são muitos blogs senão exercícios de cronistas do século XX, muitos dos quais também escritores?

Portanto, assim como acho que é bolacha e que ketchup na pizza é um crime de lesa-humanidade, afirmo: crônica é literatura. É nossa jabuticaba literária.

Mas estamos aqui para falar de livro, não é?

Ai de ti, copacabana

Pois é Ai de ti, Copacabana,o tema deste post.

Quando vi o lançamento da nova edição dessa seleção de crônicas do capixaba Rubem Braga no catálogo da Global Editora não tive dúvidas. Quero esse livro!

E foi com deleite que passei algumas horas mergulhado na leitura das crônicas daquele que Vinícius de Moraes chamou de “fazendeiro do ar”, por conta de sua floresta suspensa em uma cobertura de Ipanema, local de encontros memoráveis da fina flor da cultura brasileira. Ao dar esse apelido, aliás, o poetinha juntou Braga e Drummond, autor de um poema homônimo.

As crônicas de Ai de ti foram publicadas em vários jornais e revistas entre 1955 e 1960, os anos dourados do desenvolvimentismo, do breve período democrático entre duas ditaduras, da primeira Copa do Mundo, do surgimento de Pelé, Tom Jobim e João Gilberto. Peregrino, funcionário do governo brasileiro, Braga enviou as primeiras crônicas de Santiago, no Chile, onde trabalhava no escritório de representação comercial do país (nada a ver com um que estão tentando inventar em Jerusalém). Dois terços dos textos foram escritos no Rio, onde ele se estabeleceria definitivamente.

E o que temos nessas crônicas?

Como é característico do gênero, um pouco de tudo. Das histórias vividas no centro da capital chilena, os relacionamentos fugazes do solitário Rubem com mulheres que lhe deixam de lembrança cheiros, sensações, palavras e a impossibilidade do amor, passando pelos pássaros na janela e a chegada do inverno ao pé da Cordilheira dos Andes.

Não poderiam faltar as mordazes crônicas políticas, como a sensacional Bilhete a um candidato, que cada um de nós gostaria de escrever a sujeitos que criam seus currais eleitorais e dão como certo o voto de cabresto. Ou na defesa das viagens do Presidente voador, o célebre JK, em seus sobrevoos nas mais distintas regiões do país. Crônicas de crimes, autos de natal, gripe em Nova York. Tudo pode ser assunto pra uma boa crônica.

Como bom interiorano, nascido na então pacata Cachoeiro do Itapemirim, Braga traz as lembranças do mato, das fazendas e dos bichos. E, da adolescência, resgata as histórias da escola, como na genial A minha glória literária, quando entendeu que a literatura era seu futuro, mas que teria muitos percalços pela frente.

E chegamos à crônica que dá nome ao livro. Ai de ti, Copacabana foi além do próprio texto e tornou-se um bordão, que muita gente usa talvez sem saber a origem. É a crônica mais “diferentona” do livro. Em tom bíblico, tal qual um profeta que amaldiçoa os pecados de Jerusalém, Braga emula os livros sagrados, escrevendo em versículos numerados sobre tudo aquilo que o bairro e sua praia sintetizam, para o bem e para o mal. Publicada em janeiro de 1958, a crônica parece ter saído do prelo na madrugada de ontem e chegado à mesa do café nesta manhã de abril de 2018.

Por falar em frescor, a nova edição de Ai de ti chegou às livrarias neste comecinho de ano. Aproveite e mergulhe para (re)descobrir Rubem Braga.

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3 comentários sobre “Da aldeia para o mundo, via Copacabana          

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