Uma biblioteca pra chamar de sua

A minha não era uma casa de livros e, à exceção dos volumes técnicos sobre Agronomia, sobrava uma coleção para crianças que deve ter sido comprada originalmente para o meu tio mais velho. “Um dia, o homem inventará uma máquina capaz de levá-lo à lua”, li em um dos volumes, mais ou menos em 1987. Folheei essa coleção até gastá-la. Com ela, aprendi a olhar o céu e reconhecer as constelações; com ela, convenci todas as crianças do prédio a brincar brincadeiras antigas e jogar bolinha de gude. Eram meus únicos livros.

Só muito mais tarde, já no colegial, minha escola resolveu ter uma biblioteca. Nunca tinha ido a uma e, de repente, surgiram do nada três estantes à minha disposição. Ficava num canto da sala em que também funcionava o laboratório de química. A máquina de xerox operada por uma veterinária era o maior ponto de atração daquele espaço, mas eu ia lá todos os dias folhear a Enciclopédia Barsa e xeretar a coleção Vagalume enquanto o resto da turma aproveitava o intervalo para jogar vôlei.

Enquanto virava as páginas, conversava com a veterinária, cujo sonho era  prestar concurso para trabalhar no IML. Quando cansava dos livros, a gente trocava ideias sobre pontos de crochê (sim, era uma veterinária que tirava cópias e fazia crochê enquanto sonhava em cortar cadáveres). E depois voltávamos a folhear a Barsa.

Aquelas três estantes que o diretor chamava de biblioteca viraram uma biblioteca de verdade pra mim e fizeram com que a leitura ganhasse importância central no meu dia a dia. Não tinha computador, não tinha sofás, não existiam e-books, não tinha nem carteirinha nem possibilidade de levar os livros para casa, mas me descortinaram um universo inteiro. Todo mundo devia ter direito a uma biblioteca pra chamar de sua.

BSP

PS: Não parece, mas esse post tem origem na Biblioteca de São Paulo, que este mês atinge a marca de 1 milhão de visitantes atendidos. Se três estantes mudaram a minha vida, imagino o que espaços como a BSP não vêm fazendo por aí. 

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