Uma festa literária como a Flip, de Paraty, movimenta a curiosidade dos leitores e da mídia. Há muito frisson, geralmente em torno dos escritores-estrela. Assim foi em 2012, em uma edição que tinha Ian McEwan, Enrique Vila-Matas e uma dezena de autores famosos, badalados e incensados.
Pois a Flip 2012 tinha uma joia reservada para os atentos participantes de uma das mesas, que reuniu dois autores para falar de literatura engajada. Nela estavam Rubens Figueiredo, grande tradutor dos clássicos russos e autor de um romance interessante, mas incompleto, sobre o qual um dia desses eu escreverei. E um companheiro de mesa que roubou a cena e cativou a todos: Francisco J.C. Dantas, doutor em literatura pela USP, professor aposentado da Universidade Federal do Sergipe, que também lecionou na Universidade de Berkeley, na California.
O autor sergipano começou a publicar tardiamente, como muitos outros escritores. Mas ter seus escritos editados, ofereceu a todos uma linguagem de vigor incomum em nossa literatura contemporânea.
Tudo isso para falar de “Os desvalidos”, livro de 1993, que ganhou sua terceira edição em 2012 pela editora Alfaguara. Nesse romance de tirar o fôlego do leitor, acompanhamos as desventuras de Coriolano, um sertanejo errático, que passa parte de sua vida assombrado pela figura do cangaceiro Lampião.
Sertão, seca e a dura lei do cangaço percorrem as páginas do romance em uma linguagem carregada de vocabulário sertanejo bem utilizado, fluido nos diálogos e narrativas, sem estilizações grosseiras. A prosa corre em ritmo de cordel, prendendo o leitor aos pensamentos de Coriolano e à atribulada vida de seu tio Filipe.
Não é apenas um romance regional, como muitos poderiam taxar. Os desvalidos é uma obra de grande qualidade literária com recursos estilísticos originais, que colocam Francisco J.C. Dantas na linhagem de Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, que, aliás, será o grande homenageado da Flip 2013. Fico na torcida para lá encontrar novamente este autor que precisa ser descoberto por mais leitores.
Para aguçar a curiosidade, seguem as primeiras linhas de Os desvalidos;
“- Lampiãããããão morreeeeu!…
Apanhado de susto, no papoco da notícia que acaba de atroar, Coriolano estremece de coração em rebates pegando a boca do peito. Freme-lhe o couro, esbarra a costura da chinela e apura as ouças de faro aguçado, espichando o pescoço pra fora da cacunda. Será, meu Pai do Céu, que o Hedores, enfim, desencarnou?”
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