O título eu peguei emprestado do clássico álbum do Metallica, mas o tema é leitura, juro. E um pouco de cinema.
Domingo fui ver Homem irracional, novo filme de Woody Allen. Li poucas críticas sobre ele, mas sei que não virou um novo fave instantâneo, como os anteriores, açucarados ou descaradamente escrachados. Não é um filme fácil: o personagem principal Abe Lucas (Joaquin Phoenix) é um professor de filosofia com a vida algo vazia. De uma conversa entre estranhos entreouvida em um restaurante, ele encontra a possibilidade de fazer O Bem a partir de um ato Mau – matar uma pessoa -, uma forma de exercitar na prática alguns conceitos filosóficos (como o imperativo categório de Kant), com base numa experiência pessoal extrema.
Homem irracional provoca poucos risos nervosos. De fato, não está mesmo entre os melhores filmes de Woody Allen. Mas me serviu por dois motivos: li quase uma hora enquanto esperava a sessão começar e arrumei assunto para este post. Porque o filme me remeteu imediatamente ao livro Justice: what’s the right thing to do?, que li em inglês no Kindle, mas que está disponível em português com o título Justiça: o que é fazer a coisa certa (Civilização Brasileira), em papel e e-book.
O livro é uma compilação estendida das palestas do professor Michael Sandel em um curso livre de extensão da Universidade de Harvard, disponível para participação à distância (e gratuita) pela plataforma edX. Fiz esse curso uns dois anos atrás e fiquei absolutamente impressionada.
Em doze aulas-seminários, Sandel faz um panorama do pensamento filosófico ocidental a partir de questões morais. A todo o tempo, desafia os alunos a raciocinar a partir de exemplos, alguns imaginários, mas a maioria tirada de situações reais, históricas ou contemporâneas. Com isso, confronta noções como Bem-Estar, Liberdade e Virtude com justiça (sem o J maiúsculo mesmo) e sua suposta neutralidade.
Felicidade, prazer, intenção, individualidade, política, legislação, economia, igualdade e desigualdade são vários outros conceitos que entram nesse balaio, do qual nem sempre é fácil tirar respostas categóricas sobre o que é Certo e Errado. Na prática, a teoria é muito mais complexa e o lance é analisar de onde surgem os vários dilemas morais nos casos específicos para identificar de que forma eles atuam sobre o pensamento social e afetam a vida de todos.
Durante o curso, os alunos presenciais são estimulados ao debate o tempo inteiro. E a coisa pode ficar BEM divertida quando os temas tratados são polêmicos, como alistamento militar, aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e (o melhor de todos) políticas afirmativas.
É quando os estudantes são confrontados com noções que vão contra suas crenças pessoais ou contra seus privilégios estabelecidos que podemos observar todos os conceitos do curso funcionando na prática, na telinha do computador ou da Smart TV, como uma espécie de Animal Planet filosófico.
O livro segue exatamente o mesmo roteiro das aulas e, embora sirva bem como material de apoio, é uma grande obra per se: uma excelente introdução à filosofia contemporânea, de forma clara, sem firulas e de uma perspectiva humanista, como deixa claro este trecho:
Não se alcança uma sociedade justa simplesmente maximizando a utilidade ou assegurando liberdade de escolha. Para alcançar uma sociedade justa precisamos pensar juntos sobre o que é uma boa vida e criar uma cultura pública receptiva aos desentendimentos que certamente vão ocorrer.
E só porque o Lombada Quadrada é muito legal e amigo, uma dica: a próxima turma começa as aulas no dia 1º de Outubro, desta vez com legendas em português. Matricule-se aqui e divirta-se.