A história do jogo vermelho

Outro dia o presidente da República estava sendo ovacionado no Allianz Parque pelos torcedores do Palmeiras, inegavelmente satisfeitos com sua política de extrema direita que inclui, dentre outros, o congelamento do salário mínimo e a taxação do seguro-desemprego. Convidado pela presidência do clube numa clara manifestação de apreço ao conservadorismo liberal (a pós-modernidade cria os bichos mais esquisitos), o presidente foi aplaudido pelos torcedores alviverdes, com o descontentamento minoritário dos torcedores antifascistas.

[Pra ser justa com os palmeirenses, não perguntei a nenhum como ficou a reputação do presidente depois da semana passada, quando ele virou Flamengo desde criancinha e tentou até montar uma embaixada rubro-negra na China – mas isso seria assunto para as mesas redondas de futebol e política, se alguma delas fizesse jornalismo].

Fato é: parece que a terra plana também dá lá as suas voltas.

Em 1945, esse mesmo Palmeiras aceitou realizar um jogo amistoso contra o seu maior rival, o Corinthians, a fim de arrecadar fundos para ajudar na campanha eleitoral do Partido Comunista Brasileiro. Isso mesmo, senhoras e senhores: Partido Comunista Brasileiro, o PCB, também conhecido como Partidão.

A história foi recuperada em 2010 no livro Palmeiras x Corinthians 1945 – O jogo vermelho, escrito pelo então deputado federal Aldo Rebelo (antes PCdoB, hoje Solidariedade). Palmeirense fanático, Rebelo costumava andar a esmo pelo Parque Antárctica e observar os troféus do clube, até que parou em um deles, encimado por uma bela escultura de Nike, a deusa da vitória. Na base, uma placa datada de 13 de outubro de 1945 trazia os agradecimentos do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) ao time.

Rebelo foi puxando o fio da meada nos jornais de época e acabou descobrindo o que aparentemente foi uma efusiva união de rivais futebolísticos para apoiar a causa sindical no Brasil – mais efusiva da parte do Corinthians, verdade seja dita, mas com a alegre participação também do Palmeiras. O jogo aconteceu no Estádio do Pacaembu no curto período de legalidade do PCB, entre 1945 e 1947. Embora autônomo, o MUT era uma espécie de braço sindical do Partidão e, argumenta o autor, tudo leva a crer que os recursos arrecadados tenham sido usados na campanha eleitoral de 1945.

Mas como Corinthians e Palmeiras, os dois rivais mais populares do futebol paulista, acabaram se metendo com o PCB? A contextualização histórica é a parte mais legal do livro ainda que, segundo o autor, o texto esteja mais uma crônica do que uma pesquisa aprofundada. A Segunda Guerra Mundial havia acabado naquele mesmo em 1945 com a decisiva participação da Rússia e de seu Exército Vermelho – para quem não lembra, o País vivia o comunismo desde 1917. O sucesso em campo de batalha, encerrando uma guerra que já tinha dizimado 60 milhões de pessoas, destruído centenas de cidades e apresentado ao mundo o poder das bombas atômicas, acabou elevando a popularidade do regime soviético e dos ideais comunistas – a ponto de encantar não só intelectuais, mas a imprensa, empresários e dirigentes de times de futebol.

Nem o esporte passou incólume pela guerra: o próprio Palmeiras acabara de mudar de nome, pois o original Palestra Itália fora proibido por fazer alusão a um dos países do Eixo. Reza a lenda que o São Paulo fez gestões políticas para o Palestra fosse punido – o que significava perda do patrimônio do clube – e assim abocanhar um estádio de futebol prontinho da silva.

Algumas pessoas tiveram influência fundamental na realização do amistoso: Alfredo Trindade, presidente do Corinthians; Leonardo Lotufo, dirigente do Palmeiras; Anthógenes Pompa de Oliveira, contador da Federação Paulista de Futebol; e nada menos que Ulysses Guimarães, na época secretário-geral da FPF, corintiano e simpatizante do PCB. A cobertura da imprensa esportiva também foi profícua, com destaque para o declaradamente corintiano jornal O Esporte, que chegou a fazer grande matéria entrevistando trabalhadores em fábricas sobre suas expectativas para o jogo.

Por outro lado, os jogadores aparentemente permaneceram alheios à causa e tomaram a partida como apenas mais uma. Há, claro, um capítulo dedicado à narração da partida (chatinho, aliás). Como já dito, o próprio autor reconhece a falta de profundidade do livro. De fato, salvo a curiosidade do acontecimento, o livro fica basicamente nas informações publicadas nos jornais da época, algumas poucas entrevistas e uma contextualização pouco profunda do ambiente político brasileiro e mundial. Por exemplo, pela importância que teve depois no processo de redemocratização do Brasil nos anos 1980, esperava saber mais sobre o papel de Ulysses Guimarães nesse jogo e seu envolvimento com o futebol.

De toda forma, é uma leitura que vai encantar os aficionados por curiosidades futebolísticas e políticas nesse Brasil-sil-sil que insiste em desafiar os roteiristas de Hollywood.

PS: A propósito, o jogo terminou com vitória do Palmeiras por 3 x 1.

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2 comentários sobre “A história do jogo vermelho

  1. Bolsonaro de extrema direita….quando li já vi que a matéria não é séria…pelo menos quem a escreveu não pode ser levado em conta.

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