A autora e o autor deste blog não são dados a comemorações natalinas. Mas, se numa combinação de acasos acabarmos participando de um amigo secreto não temos dúvida do que vai ser o presente para a incauta pessoa sorteada: livro, claro. Por isso, está no ar a tradicional lista de sugestões de presentes para seus amigos secretos. Que vale também para presentear amigos e amigas, familiares, o amor de sua vida ou até mesmo desafetos, porque a gente tem a convicção de que a literatura expande horizontes e abre caminhos para o diálogo.
Neste ano a opção foi por livros que foram lidos no árido e longo ano de 2021. Período atribulado para ambos, em que o ritmo de leituras foi mais lento e até mesmo a presença no blog foi escassa. Tem clássicos, lançamentos, reedições, poesia e livro de suspense e terror para o público infanto-juvenil. E, claro, #leiamulheres como parte de nosso esforço para divulgar a literatura feita por mulheres no Brasil e no mundo.
Vamos às dicas:
- Anos de chumbo e outros contos, Chico Buarque – Companhia das Letras
Não tem erro. Presentear com Chico Buarque é gesto literário e também escolha política. O livro de contos mostra um escritor maduro, que resgata em boa parte das histórias o ambiente de Estorvo, seu primeiro romance. Destaque para os contos Para Clarice Lispector, com candura e O sítio. É daquelas leituras de fazer em uma sentada só.
- Uma tristeza infinita, Antônio Xerxenesky – Companhia das Letras
Ambientado na Suíça do pós-guerra, narra a história de um psiquiatra francês que participa de experimentos antimanicomiais baseados nos pensamentos de Freud e nas descobertas da psicanálise. Numa pequena vila nos Alpes, às vésperas do rigoroso inverno das montanhas, Lucien se depara com as dificuldades para mudar os métodos de tratamentos dos transtornos psíquicos, abolindo eletrochoque e outra terapias invasivas. Mas o grande inimigo de Lucien são seus fantasmas interiores e os dilemas típicos daqueles tempos: tratar ou não possíveis criminosos de guerra? O romancista e tradutor gaúcho nos brinda com uma prosa densa, reflexões sobre Ética e dramas cotidianos em um ambiente que remete ao clássico A montanha mágica, de Thomas Mann. Presente para pessoas que gostam de livrões.
- Caro Michele, Natalia Ginzburg – Companhia das Letras
Esperei ansiosamente pela nova edição do romance epistolar da minha autora italiana preferida. Fora de catálogo desde o fim da Cosac, Meu caro Michele voltou às livrarias pela Companhia das Letras com ótimo posfácio de Vilma Arêas. Ambientado no turbulento início dos anos 1970, traz uma intensa troca de cartas e narrativas curtas que compõe a personalidade de Michele, um jovem que adere à luta armada em um tempo de grande convulsão na política italiana. Michele é narrado por sua mãe, por suas irmãs, por amigos e namoradas, mas nunca aparece de fato. É uma construção literária genial que compõe um enredo sobre sexualidade, política, arte e a vida. Livro que entrou para a categoria dos melhores já lidos e que pode ajudar muito a ganhar pontos com amigos secretos inteligentes e curiosos.
- A estrela do cerrado, Renata De Luca – Edição da autora, na Amazon
Na noite de sexta-feira de carnaval, uma quadrilha limpa os cofres particulares de uma agência bancária na avenida Paulista, levando dinheiro, jóias, incluindo a mítica pedra que dá nome ao romance, e muitos segredos. A partir dessa ação espetacular a jornalista, roteirista e, agora, escritora Renata De Luca traça um mosaico saboroso que tem a cidade de São Paulo, a elite, a periferia, o samba e o mundo do telejornalismo e da política como personagens de uma trama repleta de mistérios. A história é muito bem urdida e leva a um final surpreendente. A autora tem um olhar sarcástico e irônico sobre a sociedade paulistana e leva o leitor a rir por dentro, devorando cada capítulo à espera do desfecho sobre o crime. Renata é amiga de longa data, foi colega de trabalho durante bons anos, sou suspeito, mas recomendo demais como presente para amigos e amigas que gostam de E-Books. É só entrar na Amazon e fazer o vale-presente.
- Poesia cretina, Priscilla Cler – Editora Urutau
“Poemas escritos com lágrimas, sangue de menstruação, ácidos estomacais, saliva, merda, amor e ódio”. É assim que o livro de estreia de Priscilla Cler é definido em sua capa. Se seu amigo homem precisa de letramento feminista, se sua amiga mulher gosta do #leiamulheres, este é o presente certeiro. Poemas que trafegam entre o lirismo, a fantasia e o cotidiano, com referências a João Cabral e à concretude da vida.
- Luxúria, Raven Leilani – Companhia das Letras
Presente em várias listas de melhor romance do ano, o livro da jovem autora norte-americana a história de uma mulher negra que relata sua atribulada vida abordando as relações de gênero, classe e raça em uma sociedade estratificada e racista. De origem pobre, filha de pai ausente e de mãe alcóolatra e fanática religiosa, a jovem Edie, aspirante a artista plástica, em meio à falta de dinheiro e lugar para morar, acaba por se envolver com um executivo branco, morador de subúrbio rico e casado com uma médica legista. A vida de Edie tem uma reviravolta e ela se vê morando com o amante, a mulher e uma filha adotiva e negra em uma situação que beira o surreal. Está dado o caldo para mostrar a tensão racial que permeia as relações nos EUA. Livro incensado, muito bem escrito, que vai fazer sucesso nas rodas de amigos e amigas.
- Crônica da casa assassinada, Lúcio Cardoso – Companhia das Letras
Faltava um classicão, né? Pois aí está a reedição do aclamado romance de Lúcio Cardoso, que foi mal compreendido quando publicado pela primeira vez. E ganhou fama e prestígio ao longo dos anos, a ponto de antigas edições em sebos custarem uma pequena fortuna. O relançamento da obra, com crônica da amiga Clarice Lispector como brinde, atendeu a uma legião de fãs e permite que novos leitores, como foi o meu caso, conheçam essa incrível obra baseada em cartas e depoimentos de pessoas que gravitam em torno de uma tradicional casa de outrora rica família nos confins do Brasil. Na trama vão se revelando as mazelas da família Meneses, que ostenta um patriarcado decadente, violento e segregador. A casa é a personagem principal dessa história em que se cruzam mulheres submissas e religiosas, outras que buscam fugir ao papel que lhes é predeterminado, um irmão de sexualidade ambígua e língua ferina, dois irmãos que cuidam da propriedade em permanente tensão, as pessoas do povoado e da capital que orbitam em torno da família e do futuro herdeiro de um império em ruínas. A política do Brasil profundo, a sexualidade reprimida e o incesto fazem parte de um painel de narrativas que se complementam nas cartas e depoimentos das personagens. Catatau de 550 páginas para impressionar amigos e amigas chegados em um clássico da literatura brasileira.
- Vila dos confins, Mario Palmério – Autêntica
E vamos de mais clássicos brasileiros. Vila dos Confins foi publicado nos anos 1950 e retrata um país ainda muito rural, mas tem uma atualidade impressionante no trato da violência como parte integrante da política. Se você pensou em milicianos, polícias aparelhadas por interesses políticos, racismo estrutural, alijamento das mulheres da vida política, está tudo lá, como está tudo no aqui e agora de nossa política, que deu um cavalo de pau e voltou a naturalizar a violência de forma assustadora. É um livrão, com ecos de Rosa, contemporâneo a quem o autor sucedeu na Academia Brasileira de Letras. Uma prosa seca, elegante e carregada de simbologias do sertão. A resenha completa você confere aqui para decidir se seu amigo sorteado tem o perfil para a leitura.
- Encontros à hora morta, Vanessa Ratton e Maria Valéria Rezende – Florear Livros
Eita. Peguei um pirraia de amigo secreto. Que fazer com um adolescente? A resposta está no fresquíssimo livro de Vanessa Raton e Maria Valéria Rezende. Como escreveu Renata neste post, “a história é ambientada na cidade de Santos, no litoral paulista. Tomás, um rapaz português que viaja com a família em um cruzeiro, é forçado a desembarcar na cidade quando parte dos tripulantes e passageiros é infectado com uma doença misteriosa. Enquanto ele está no hospital, conhece a também jovem Ana Lourdes. Os dois escapolem de madrugada para passear pela parte velha da cidade enquanto ela vai contando as histórias de assombrações e crimes escabrosos que aconteceram por lá – muitos deles ligados a episódios de violência contra a mulher. É um livro ligeiro e uma excelente forma de conhecer melhor a história de Santos por meio de suas assombrações.” Dica certa para jovens desgrudarem por algumas horas de seus celulares.

Adorei as dicas!
Não sabia que Caro Michele era tudo isso e nem que a Companhia das Letras tinha reeditado. Fiquei muito interessada! Ou seja, pode virar presente pra amigo, mas com certeza vai ser presente pra mim também! : )
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Vale muito a pena ler Caro Michele
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O livro “Chapadão Do Bugre”, também do escritor Mario Palmério é uma excelente leitura. Vale conferir.
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Sim. E foi novela da Band nos anos 80.
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