11 livros de terror para o Dia das Bruxas

Várias culturas terrenas dedicam a virada entre outubro e novembro aos habitantes do além. Seja o Halloween nos Estados Unidos, o Dia de los Muertos Mexicano ou o Dia de Finados para os católicos, é o período de lembrar os que se foram, visitá-los nos cemitérios, limpar as tumbas ou se fantasiar de caveira e importunar os vizinhos pra conseguir uns doces. Porque não, então, aproveitar para conhecer um pouco da literatura que trata da nossa ligação com o outro mundo?

Não somos exatamente especialistas nem temos uma predileção especial pela literatura de horror, mas temos sim alguns ótimos livros de assombração em nossas estantes. Se você quer aproveitar o feriado e o clima para se aventurar pelo gênero, aqui vai mais uma lista do Lombada Quadrada – uma lista formada por autores e autoras brasileiras junto com alguns dos maiores clássicos mundiais. Como toda lista, esta aqui está longe de ser definitiva. É pura e simplesmente o que temos nas estantes.

Fiquei bem tentada a incluir livros que têm elementos fantásticos mas não se enquadram especificamente no gênero do horror – como Amada, de Toni Morrison, Legião Anônima, de João Paulo Parisio, ou mesmo os contos dos irmãos Grimm – mas achei no fim das contas que sairíamos demais da proposta. Fica aí o gancho para outra lista. 🙂

E sem mais delongas:

Encontros à hora morta, de Vanessa Ratton e Maria Valéria Rezende

Esse é novíssimo: acabou de ser lançado pela Florear Livros, editora de Londrina, reunindo Vanessa Ratton e a premiada Maria Valéria Rezende, já muitas vezes resenhada aqui no blog. Encontros à hora morta é um livro infantojuvenil cuja história é ambientada na cidade de Santos, no litoral paulista. Tomás, um rapaz português que viaja com a família em um cruzeiro, é forçado a desembarcar na cidade quando parte dos tripulantes e passageiros é infectado com uma doença misteriosa. Enquanto ele está no hospital, conhece a também jovem Ana Lourdes. Os dois escapolem de madrugada para passear pela parte velha da cidade enquanto ela vai contando as histórias de assombrações e crimes escabrosos que aconteceram por lá – muitos deles ligados a episódios de violência contra a mulher. É um livro ligeiro e uma excelente forma de conhecer melhor a história de Santos por meio de suas assombrações. (Uma delas, aliás, surgida no interior paulista e exportada para todo o Brasil: ninguém menos do que a Loura do Banheiro, conjurada no edifício histórico que abriga a Escola Rodrigues Alves, em Guaratinguetá, num típico caso de história real que acaba virando lenda, como mostra essa matéria). O livro é muito bem editado e tem ilustrações de Alexandre Camanho. Me lembrou demais o próximo da lista.

Assombrações do Recife Velho, de Gilberto Freyre

Esse é um dos meus livros preferidos sobre o meu país, Recife, e um clássico do nosso sociólogo mais famoso. Neste livro, Gilberto Freyre registra por escrito algumas das lendas e histórias de assombração correntes na cidade, que ele considera ter um traço marcante de pendor popular para o sobrenatural (sou de lá e atesto). Assim, o livro apresenta dezenas de fantasmas locais, alguns baseados apenas em crenças, outros com um firme pé na história. Os demônios vermelhos que perseguem mocinhas à noite seriam, por exemplo, lembrança do assédio violento promovido pelo invasores holandeses no começo do século 17; o lobisomem doutor faz uma ligação direta com o estupro de mulheres negras por senhores de terra. Freye é alvo de muitas (e justas) críticas hoje, mas não se pode negar que ele sabiai captar o espírito da cidade e escrevia de maneira deliciosa. O livro deu origem a uma peça maravilhosa do já extinto grupo Os Fofos Encenam e a uma adaptação para história em quadrinhos que eu já resenhei aqui no blog. A edição que temos é da Global.

Quebranto, de André Balaio

Balaio é um dos autores da HQ mencionada acima, e também um dos fundadores do projeto O Recife Assombrado, que há mais de 20 anos se dedica a disseminar a cultura fantástica da capital pernambucana. O autor aproveita essa ampla experiência de contato com histórias do além e com a dinâmica social da cidade em Quebranto, livro de contos fantásticos lançado em 2018 pela Editora Patuá e já resenhado aqui. Os contos deste volume são criações originais com narrativas inseridas no cotidiano contemporâneo – mas sem deixar de beber, reverentemente, no passado – da própria cidade e das assombrações tradicionais. O grande trunfo de Quebranto é o equilíbrio: nem há saudosismo, tampouco a ânsia de parecer absolutamente atual.

Carapaça escura, de Frederico Toscano

Ainda do meu país, Recife, indico Carapaça escura, livro de estreia na ficção do gastrônomo e historiador Frederico Toscano, também publicado pela Editora Patuá. Seria simplório dizer que o livro segue a mesma linha de Quebranto por ter também a capital pernambucana como locus central. Mas aqui há duas questões que saltam na leitura: o Recife como cidade-ruína, impregnada de um passado que insiste em deixar suas marcas mesmo na decadência, e uma intenção de comentar questões sociais contemporâneas, como o machismo, a violência contra a mulher e a permanência de uma certa atitude “casa grande” entre personagens da elite, que se recusam a abandonar velhos hábitos de um passado em que tudo lhes era possível, inclusive ser proprietários de outras pessoas. Também já renhamos o livro aqui. O autor acaba de lançar um novo livro de contos de terror, O rinoceronte na parede, dessa vez pela editora Uratau.

Incidente em Antares, de Erico Verissimo

Pode parecer contradição para um livro protagonizado por pessoas mortas, mas Incidente em Antares é absolutamente hilário. No último romance escrito por Erico Verissmo, sete habitantes da cidadezinha de Antares morrem coincidentemente no mesmo dia mas, como há uma greve de coveiros na cidade e ninguém se ocupa de enterrá-los, eles continuam perambulando por aí, atormentando os parentes vivos com devassas à intimidade – já que estão mortos mesmo e nada pior pode lhes acontecer, pra quê interdição? O pano de fundo da situação bizarra é a política local, dominada por familías rivais para quem a prefeitura é uma extensão de suas propriedades. Isso, junto com as reações da população aos mortos-vivos, faz com que o romance seja uma sátira aguçada da vida em sociedade e, claro, da política. Meu exemplar é da antiga Editôra Globo de Porto Alegre – uma segunda edição lindíssima, de 1971, que eu comprei em um sebo em São Paulo em 2004, muito antes de imaginar que um dia moraria aqui (a volta que esse livro deu, rs).

O corvo, de Edgar Allan Poe (traduzido por Fernando Pessoa e Machado de Assis)

O corvo é a obra mais conhecida do escritor americano Edgar Allan Poe, considerado precursor da literatura policial e autor de vários contos de terror. No longo poema, o narrador está sozinho em casa numa noite chuvosa, logo após perder sua amada Lenore. Um corvo entra pela janela e pousa num busto de Atenas, chamando a atenção do moço, que tenta conversar com a ave. Ela só repete uma única palavra: nevermore (nunca mais). Com o “diálogo” centrado na saudade que o rapaz sente de sua namorada morta, o poema vai num crescendo soturno. O texto foi traduzido por dois medalhões da língua portuguesa com resultados muito diferentes – Fernando Pessoa e Machado de Assis -, publicados juntos em 2019 num volume lindo da Companhia das Letras. Eu particularmente prefiro a tradução de Fernando Pessoa, como contei nesse post.

Antologia da Literatura Fantástica, de Adolfo Bioy Casares, Jorge Luis Borges e Silvina Ocampo

Incluí esse na lista por indicação de Carlos (ainda não o li), cuja resenha é um dos posts mais lidos do blog. No final dos anos 1930, os três organizadores do livro tiveram a ideia de selecionar contos e outros textos fantásticos em uma coletânea, que ficou pronta em 1940 com uma seleção de 75 obras de autores de várias nacionalidades. Publicado no Brasil apenas em 2019, pela Companhia das Letras, a seleção reúne Cortázar, Richard Francis Burton, Lewis Carrol, Jean Cocteau, James Joyce, Franz Kafka, Rudyard Kipling, Guy de Maupassant, Edgar Allan Poe, François Rabelais, H.G. Wells, e também autores chineses e até um trecho d’As mil e uma noites. Além desse timaço, o volume tem um projeto gráfico primoroso de Daniel Trench.

Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha, de Liudmila Petruschévskaia

Saindo da América Latina, fazemos uma escala na Rússia antes de chegar nos clássicos europeus. Li Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha literalmente por causa do título e da capa, sem saber quase nada da autora – que acabou sendo uma das sensações da Flip em 2018, quando ela fez um pocket show que incluiu Besame mucho em russo. O terror nesse livro deriva de uma tradição completamente diferente, a dos contos de fadas, com o amor sendo o tema em comum a todas as 21 histórias curtas do volume – amor romântico, amor familial – além das complexidades das relações sociais. Nessa resenha eu indico alguns dos contos que mais me marcaram.

Frankenstein, de Mary Shelley

Clássico absoluto do terror e hoje tão presente no imaginário coletivo que parece ter sempre existido, Frankesntein também é considerado o pioneiro da ficção científica. No livro, o médico Victor Frankenstein tenta criar vida a partir da junção de pedaços de vários cadávares. A criatura monstruosa que surge disso é abandonada pelo cientista na primeira oportunidade, o que faz com que vague pelo mundo tentando, sozinho, navegar pela existência que lhe foi dada de maneira tão peculiar, incorrendo em vários atos violentos no processo. O livro apresenta um debate profundo sobre culpa, ética, responsabilidade na relação entre criador e criatura, além de preconceito. Mary Shelley tinha apenas 19 anos quando escreveu o romance, que teve a primeira edição publicada sem o seu nome. Considero leitura obrigatória. O livro está em domínio público, logo é facilmente encontrável em vários formatos na internet. A minha edição é de Kindle, em inglês.

Dracula, de Bram Stoker

Diferente de Frankenstein, que é invenção pura da autora, Dracula de alguma forma sistematizou e popularizou as crenças populares e obras anteriores sobre vampiros, e de maneira muito potente. É um romance epistolar – ou seja, ele inteiro é uma história contada por meio de trocas de cartas e das entradas no diário da personagem Mina, além de notícias publicadas na imprensa. O livro começa na Transilvânia, com a visita do advogado Jonathan Harker ao Conde Dracula, que o convoca para ter assessoria jurídica na compra de imóveis em Londres. Harker logo descobre que há algo de muito estranho com o anfitrião que não come, não aparece em espelhos e nunca sai à luz do dia, mas até perceber o perigo, já é tarde. Dracula consegue colocar em movimento um intrincado plano de se mudar para Londres em um navio, onde passa a aterrorizar a noite da cidade em busca de sangue. Começa então a caçada ao vampiro, capitaneada por outro personagem que se tornaria famosos – Van Helsing. A leitura acontece em perpétuo estado de suspense e expectativa, num clima que lembra também os romances policiais. E não, ver o filme Dracula de Bram Stoker, de Francis Ford Copola, não substitui a leitura. Na verdade, são duas obras bastante diferentes (e não estou falando apenas da narrativa). O livro também está em domínio público e é facilmente encontrável em edições gratuitas ou baratas. A minha é uma de bolso da Penguin, em inglês.

O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson

O romance do escritor escocês Robert Louis Stevenson fecha a tríade de clássicos anglófilos e góticos do terror. O médico e o monstro também flerta com a ficção científica: no livro, o Dr. Jekyll experimenta criar uma substância que possibilitaria separar todos os seus pensamentos e impulsos sombrios, restando então apenas o seu lado bom. Mas a coisa não funciona como planejado, e o caráter maldoso se separa na forma de uma criatura inteiramente diferente, mas habitando o mesmo corpo – o Sr. Hyde. Dessa forma, o livro materializa e exacerba em sua narrativa a ideia do transtorno de múltiplas personalidades. Posteriormente, muitas outras obras de arte narrativa emprestariam o mote, em especial no cinema: dos que eu vi, dá pra citar Psicose (Alfred Hitchcock), Vestida para matar (Brian de Palma), Clube da Luta (David Fincher) e Cisne Negro (Darren Aronofsky). Minha edição também é a de bolso da Penguin, mas o livro está igualmente em domínio público.

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