É impossível não lembrar de “As cidades invisíveis”, de Italo Calvino, ao ler as páginas de “A verdadeira história do alfabeto e alguns verbetes de um dicionário”, de Noemi Jaffe.
No livro, de leitura saborosa e fluída, cada letra do alfabeto tem a história de sua criação contada de forma surpreendente, ao modo das histórias que Marco Polo conta ao imperador tártaro, enumerando as cidades de seu reino, na obra prima do autor italiano.
A leitura começa pelas belas capitulares que indicam cada letra do alfabeto, em uma edição simples e caprichada da Cia. das Letras. Somos arrebatados por pequenos contos, de até três páginas, em que a autora nos transporta a diversos lugares do planeta, em viagens atemporais. Nessas viagens, encontramos personagens e situações que explicam como cada uma das letras do alfabeto surgiu e as palavras, belas ou não, úteis ou poéticas, que dessa letra derivaram para explicar o mundo.
Um livro como esse, preso a um formato de dicionário, corre o risco de ficar monótono e repetitivo. Em alguns dos pequenos contos, de fato, o leitor é tomado por uma leve sombra de tédio. Mas a leitura prossegue, e os personagens e suas criações voltam a surpreender no conto seguinte.
Por falar nos personagens, sugiro a leitura atenta dos verbetes finais e das referências que a autora nos dá a respeito de algumas figuras que não são tão ficcionais como parecem, uma outra pequena e instigante surpresa com que Noemi Jaffe nos brinda.
“A verdadeira história do alfabeto”, por fim, me remeteu a um exercício que tomava conta de mim nas tardes de ócio da infância e da adolescência, quando eu tentava imaginar como as coisas receberam os nomes e quem tinham sido os inventores das letras, das palavras e do modo como nomeamos o mundo. Perguntas nada originais, eu sei. De certa forma, Noemi me deu um bocado de respostas.
Termino lembrando de um verso que sempre me vinha à mente enquanto lia as histórias das letras. Verso que está na canção Almanaque, de Chico Buarque:
“Diz quem foi que inventou o analfabeto
E ensinou o alfabeto ao professor”