O escritor Italo Calvino foi muito além dos romances que publicou. Algumas de suas obras são tratados sobre literatura, como Seis propostas para o próximo milênio, uma série inconclusa de conferências que preparava para ministrar na Universidade de Harvard. Nos cinco textos concluídos antes de sua morte, Calvino trata de Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade e Multiplicidade como algumas das qualidades necessárias a um bom livro. E, claro, aponta essas qualidades em grandes clássicos da literatura universal.
Calvino também escreveu Por que ler os clássicos, cujo título é autoexplicativo. Para o escritor italiano “os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.” E quantos não são os clássicos das artes em geral que se escondem nas dobras de nossas memória? Quantas obras que jamais vimos ao vivo nos são tão familiares?
E quantos livros não lidos, mas tão comentados, filmados e citados em outras obras fazem parte do inconsciente de cada um de nós? Para mim, muitos.
Nos últimos tempos, resolvi preencher algumas lacunas de clássicos não lidos e fui à fonte, para não ficar apenas com as sombras deles projetadas na minha caverna mental. E me vi mergulhado em Don Quijote, e Moby Dyck, entre outros.
Tudo isso pra dizer que cheguei ao Romance da pedra do reino, de Ariano Suassuna. Não vi a série para a TV, mas fui contaminado pelas cenas de Quaderna e sua trupe que povoavam as telas de TV na época de sua exibição. Adiei a leitura por muito tempo. Até que baixei uma edição da obra para o Kindle (ficou mais prático do que andar com o “tijolo” impresso por aí). E é bom que se diga que a edição eletrônica está muito boa. Traz as gravuras originais do livro e tem um ótimo dicionário de referência dos muitos nomes e obras citados por Ariano.
É interessante ler pela primeira vez uma obra dessas em plena maturidade. Tudo que se passava em torno dos delírios imperiais de D. Pedro Dinis Quaderna parecia já me ter sido contado por alguém. O que não tirou as surpresas de uma leitura fluente e saborosa.
Não vou me deter no que todo mundo já disse a respeito de um texto que é erudito e popular, que inaugura o movimento armorial etc.
Para mim, veio à tona com força um tema que muito me atrai: o sebastianismo. Ler Suassuna me levou aos movimentos sebastianistas portugueses e seus reflexos no Brasil. O desaparecimento de um rei como um fado, a interrupção abrupta em um projeto imperial de expansão territorial, econômica e tecnológica. E a eterna pergunta: ainda somos vítimas de uma ausência que parece nos condenar a sempre esperar por um futuro que não vem?
A leitura de Ariano me levou a recordar um outro livro, que deixo aqui como dica para quem quer conhecer e entender o sebastianismo e suas consequências na história de Portugal e o Brasil. Trata-se de “No reino do Desejado: A construção do sebastianismo em Portugal, séculos XVI e XVII, ensaio da historiadora brasileira Jacqueline Hermann, publicado pela Companhia das Letras em 1998, que mostra a construção do mito do “Rei Desejado”, aquele que vem para nos trazer de volta os áureos tempos que nunca vivemos.
Por isso, volto a Calvino para dizer que vale a pena ler os clássicos. Seja quando for.
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