É um pândego, esse Enrique Vila-Matas. Se nada do que ele escreve está livre de ironia e erudição, História abreviada da literatura portátil deve ter a maior concentração das duas coisas da literatura contemporânea. O livro inteiro é uma grande piada interna, que se reflete nas dimensões de bolso e suas parcas 141 páginas, em edição sem firulas (o que é raro) da Cosac-Naify.
A partir de coincidências nas obras de artistas e escritores por volta da década de 1920, principalmente surrealistas e dadaístas, ele cria a história de uma sociedade secreta dedicada à tal literatura portátil, que seria a “maneira ideal de um vagabundo possuir ou transportar coisas”. A turma inclui Marcel Duchamp, Walter Benjamin, Salvador Dalí, Scott Fitzgerald e dezenas de outros – autodenominados shandys –, que teriam se encontrado em diversas cidades da Europa em reuniões sigilosas para debater esse conceito.
Vila-Matas se aproveita de frases e acontecimentos verdadeiros, arrumados de forma a sustentar sua grande mentira. Mais do que ficar imaginando o que de fato é realidade e o que não é nas suas histórias, o livro é uma diversão pelo sarcasmo com que ele trata autores admirados, reintrepretando o conjunto de sua produção de uma maneira tão, mas tão, non sense, que chega a ser uma pena que aquilo tudo não seja verdade. Nem o suicídio passa batido e conquista, ele também, sua dose de ironia.
De sociedades secretas ele já tinha se ocupado no delicioso Aire de Dylan. Nele, em História abreviada da literatura portátil e em tudo o mais que já li ou ouvi dele – incluindo a excelente conferência na Flip 2013, substituindo Le Clézio de última hora – provam que ninguém passa por um Vila-Matas impune. Sua escrita sempre refere a outros autores quase sempre bem conhecidos, mas pouco lidos. Portas abertas, escancaradas, que a gente não enxerga e que ele faz questão de apontar, sempre com uma boa dose de troça contra (ou favor d’?) os seus leitores.
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