Livros sobre livros

2017-02-21-21-33-09Enrique Vila-Matas, autor catalão contemporâneo, é presença frequente aqui no Lombada Quadrada. Primeiro, porque seus romances, como Paris não tem fim, Dublinescas ou Aire de Dylan, ou livros de contos, como Exploradores do abismo, envolvem o leitor em histórias engenhosas e  carregadas de ironia. Além disso, para leitores como nós, que gostamos de fazer viagens literárias,  é garantia de ler histórias que têm cidades como Barcelona, Paris ou Dublin como personagens à parte. E também porque Vila-Matas é um autor que faz uso intenso de referências literárias em suas obras. Mais do que isso. Muitos de seus personagens são escritores, ou querem sê-lo. Já escrevemos no blog que esse é um traço muito comum da literatura que se produz atualmente em vários países, inclusive o Brasil. Em muitos casos, e são muitos, criar um personagem-escritor parece ser uma forma cômoda de abordar o universo que está ao alcance do autor. Mas quando o livro é bom, esse truque desaparece, ou pelo menos se atenua, diante da boa literatura. E Enrique Vila-Matas é produtor de uma obra que supera qualquer clichê ou trapaça literária. É, talvez, um dos melhores escritores vivos.

Quando Vila-Matas não publica romances ou contos, publica ensaios, como El Viajero más lento, o livro que é tema desta resenha. Compramos a edição espanhola da Seix Barral, em uma tarde de sábado das mais loucas que eu e Renata poderíamos ter vivido, em Barcelona, que está relatada neste post, feito em torno de outro produto da compra daquele dia, um belo livro de contos de Juan Villoro.

El viajero más lento é uma coletânea de artigos e ensaios que Vila-Matas publicou em jornais e revistas entre os anos 1960 e 1990, além de anotações de viagens e apontamentos sobre leituras. Neles, trata de cinema, literatura, artes. Mas são os livros e autores dos mais variados gêneros a grande atração deste livro saboroso e carregado de histórias engraçadas. Escolas e movimentos literários, autores do passado e jovens escritores – como Villoro –  que publicavam seus primeiros trabalhos naqueles tempos e recebiam resenhas cheias de elogios e com mais referências literárias, mostrando que um livro puxa outro, que puxa outro…

Por isso, para ler esses ensaios você deve ter em mãos um bloco de notas, em papel ou digital, para fazer um roteiro de leituras a partir das indicações que brotam das páginas de El viajero.

A leitura dos ensaios de Vila-Matas me remeteu aos incríveis Seis propostas para o próximo milênio e Por que ler os clássicos, de Ítalo Calvino, que mais do que ensaios são um guia prático de leituras obrigatórias, quase cursos completos de literatura.

E para completar o passeio, El viajero más lento tem vários bônus que vão além da literatura. Vila-Matas selecionou ensaios hilariantes, como aquele em que confessa ter inventado uma entrevista com Marlon Brando, publicada originalmente em inglês, por não dominar suficientemente a língua para traduzir corretamente. E nos informa que a farsa só foi descoberta anos depois, quando ele mesmo denunciou a brincadeira, feita para garantir uns trocados na revista para a qual trabalhava quando jovem. E carregada de uma certa intencionalidade. Ou, então, o diálogo absolutamente nonsense que travou com Salvador Dalí (este, ele garante, real) em seu retiro no litoral da catalunha.

Entre os apontamentos e análises de movimentos literários como o OuLiPo, estão as pistas achadas por Vila-Matas para obras futuras, como os romances já citados, ou o incrível  História abreviada da literatura portátil, livro de ensaios, resenhado por Renata aqui.

São histórias carregadas de humor, contadas com fleuma e um verniz de seriedade, o que aumenta ainda mais o efeito sobre o leitor. Portanto, ao ler Vila-Matas em público prepare-se para ser flagrado dando risadinhas nervosas por aí.

2 comentários sobre “Livros sobre livros

  1. Adoro os livros do Vila-Matas e os textos que vocês publicam sobre o Vila-Matas e estou triste com o fato do Vila-Matas estar órfãos de editoras no Brasil.

    Abs.

    Curtido por 1 pessoa

    1. Verdade. É uma pena não termos mais editoras publicando Vila-Matas no Brasil. Eis uma boa dica para a @companhiadasletras.
      Obrigado pela leitura @vgomes1985.

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