A história de um leitor é feita de livros que marcam e de livros que passam. Estes, são a maioria. A gente lê, gosta ou desgosta, tece comentários, indica ou não aos amigos. Já os primeiros são os que nos acompanham a vida toda, nos chamam para releituras periódicas, são aqueles dos quais decoramos trechos inteiros, citamos em conversas, conectamos com outras obras. Os livros marcantes são raros. E, por isso mesmo, especiais. O encontro marcado, de Fernando Sabino, é um dos meus livros marcantes. Talvez o primeiro.
Li O Encontro em 1982, na oitava série. Naquele tempo, como mostra a foto que abre este post, eu vivia grudado a minha bola de basquete. Tinha uma turma pra lá de especial no Blanca, a escola pública do Tatuapé, onde fiz o ensino fundamental. E além dessa galera, tive aulas de português com Mirna, professora que muitos temiam e poucos amavam incondicionalmente. Eu fiz parte desse pequeno grupo de seguidores dela. Porque além do basquete, eu tinha mania por livros. Lia o que vinha pela frente. De A turma do posto quatro, uma série de aventuras infanto-juvenis publicada pela Ediouro, a um exemplar de O Processo, de Kafka, que minha irmã tinha lidona faculdade. Claro que aos 15 anos não entendi nada das desventuras de Josef K. nos meandros da pavorosa burocracia. Mas eu lia tudo sem medo.
Voltemos a Fernando Sabino. A professora Mirna não foi nada sutil ao nos indicar a leitura desse livro, que pode ser enquadrado na linha dos grandes romances de formação. Aquele era nosso último ano na escola de 1º Grau. O Blanca não tinha ensino médio. Nossa turma iria se dispersar no ano seguinte em várias escolas do bairro. Eu, por exemplo, só fiz o colegial com um dos colegas. Portanto, dar a essa garotada a leitura de um romance como O encontro marcado foi uma forma de jogar a turma na trajetória da despedida.
Para quem não sabe, O encontro, em sua primeira parte, nos fala de quatro amigos que vivem o fim da adolescência em Belo Horizonte e se deparam com o caderno vazio da vida adulta a ser preenchido. Cada um deles com seus dramas familiares, dúvidas existenciais, a descoberta da sexualidade, do álcool, das letras e da vida boêmia. Um pacto é feito para que os inseparáveis amigos voltem a se encontrar em quinze anos.
E essa primeira parte termina com uma das frases mais citadas na internet, muitas vezes atribuídas a um outro Fernando, o Pessoa. Talvez porque, de tão lírica, não pareça ter saído da lavra de um romancista.
“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.”
A segunda parte do romance de Sabino é dedicada a narrar a vida adulta de Eduardo Marciano, o narrador, que vai para o Rio de Janeiro tentar a vida como dublê de advogado e escritor. E ficamos, os leitores, na expectativa do encontro, porque quase quinze anos se passaram.
Os quatro amigos, enfim, manterão o pacto?
Não farei spoiler, é claro.
Minha turma não marcou um encontro. O livro nos provocou bastante, mas para muitos dos meus colegas de ginásio foi só mais um que a professora Mirna nos obrigou a ler.
Para mim, foi marcante. Me levou a querer trabalhar com jornalismo. Me levou ao interesse pela política. Me levou às mesas de bar. O encontro marcado foi e sempre será meu romance de formação. E sempre me saltou à lembrança ao ver filmes como O primeiro ano do resto de nossas vidas ou Curtindo a vida adoidado, que também navegam pela mesma temática dos ritos de passagem para a vida adulta.
Mais e mais livros vieram. García Márquez, Saramago, Ítalo Calvino, Cervantes, Cortázar e muitos outros entraram para a galeria afetiva dos romances marcantes. Centenas, simplesmente passaram. Mas o menino que se fez leitor começou a ter consciência do poder dos livros com essa singela história de moços que tinham sonhos, dúvidas, tédio e desejos.
Ah. Muitos anos depois, mais do que quinze, a turma do Blanca se reencontrou, como prova a foto abaixo. Não marcamos encontro, mas o Facebook tratou de nos reunir. Foi divertido.