Chico Buarque: letra, sem música

Irmão Alemão CapaSe você veio até o Lombada Quadrada por causa das canções de Chico Buarque, peço que tenha paciência. Aqui não tem música. Não há música e nem musicalidade na obra literária de Francisco Buarque de Hollanda. Estamos aqui para falar de O irmão alemão, o mais recente livro de Chico, que é seu mais recente best seller também, como não poderia deixar de ser. E não culpem o autor pelo sucesso. Ele certamente não é um Guimarães Rosa. Nem um Machado de Assis. Mas é um grande escritor. E não oferece vida fácil aos leitores, como parecem sugerir os números estrondosos de vendas de livros. A afirmação pode parecer leviana, mas suspeito que muitos dos leitores do Chico Buarque músico não entendem bem o Chico Buarque escritor. Especialmente em obras mais herméticas, como foram Estorvo, Benjamin e Leite Derramado.

Eu prometi falar de Irmão alemão, não foi? Então, vamos lá.

Parte considerável da população deste país já sabe que o livro faz referência direta a Sergio Günther, filho que Sergio Buarque de Hollanda – historiador e intelectual de mão cheia, mais conhecido como pai de Chico Buarque – teve com uma alemã, nos anos 1930, enquanto estudava em Berlim. Chico e seus irmãos só tiveram conhecimento da existência desse meio-irmão quando eram adultos. E Chico não chegou a conhecer o irmão, já morto.

E eis que nos vermos transportados à narrativa de ficção, conhecendo Francisco de Hollander (oh, que coincidência!!!), um rapaz que entra na vida adulta em busca de um norte. Vaga pelas ruas de São Paulo, namora, bebe, luta contra uma ditadura recém instalada e torna-se professor universitário. Na biblioteca do pai, cartas revelam a existência de um suposto irmão alemão. E então nos vemos envoltos em uma narrativa nebulosa, como a névoa paulistana dos anos 1960. O irmão alemão será aquele sujeito que mora em uma casa na recém inaugurada avenida Henrique Schaumann? Onde estará essa família alemã? Terão sobrevivido ao nazismo?

Política e história permeadas pela busca da identidade familiar. Um jovem que deseja entender aquele pai solitário e taciturno que se trancava em sua biblioteca e pouco interagia com a família.

Dos livros de Chico Buarque, este é o primeiro a ter um tom assumidamente autobiográfico. Impossível não fazer ligações diretas com o que é notório em sua biografia. Puxar um carro no bairro do Pacaembu e parar na cadeia. Enganar taxistas, utilizando o bar Rivera como rota de fuga para não pagar a corrida. Um pai intelectual e um meio-irmão alemão. Ele poderia simplesmente ter escrito um relato memorialístico dessa descoberta. Mas nos brindou com boa literatura.

A edição da Cia. das Letras é boa. Autor de sucesso merece capricho, né? E os documentos que Chico publicou em alguns capítulos mostram a dificuldade que seu pai teve para conseguir notícias do filho alemão. Primeiro, o nazismo. Depois, a Alemanha Oriental, fechada ao mundo capitalista. Sem informações, sem esperanças, com muitas dúvidas. Destaque para a dedicatória abaixo, de Guimarães Rosa, na primeira edição de Grande sertão: veredas  endereçada a Sergio, marotamente tornado Hollander, como em todos os documentos do livro. Reais, mas ficcionais.

Chico Buarque, seu sacana.

Dedicatória Rosa Buarque

3 comentários sobre “Chico Buarque: letra, sem música

  1. É totalmente diferente mesmo, o músico para o escritor… Dois seres em uma alma, tem um equilíbrio de mistério e densidade, tão simples mais ás vezes surreal… Vou iniciar a leitura de O irmão Alemão. Maravilhoso post, parabéns.

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