11 vezes São Paulo

Poesia, prosa, sociologia, história. São muitos os livros que têm São Paulo como cenário, citam São Paulo, contam sua história, analisam sua arquitetura. O Lombada Quadrada lembra aqui de obras que direta ou indiretamente falam da cidade dos mil povos, que nesta semana completa 463 anos. Como toda lista, esta é uma seleção que a gente fez em nossa biblioteca. Claro que faltam muitos livros fundamentais, que a gente não leu ou não lembrou. Então, entre nas comemorações de deixe nos comentários outras obras que falam dessa cidade maluca e cativante.

São Paulo na prosa

Na literatura, São Paulo é personagem explícita de muitos romances. E em outros tantos casos, aparece como uma referência clara, mesmo que não seja nominada. Ruas, avenidas, fatos históricos, a grandeza da metrópole, o ambiente das ruas. É legal brincar de descobrir a cidade nestes livros.

 

2017-01-22-20-18-17Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão. Global Editora

O Lombada Quadrada não é dado a ser laudatório. Portanto, a lista começa por um romance que traz uma visão tenebrosa da metrópole. Brandão não cita explicitamente São Paulo, mas como morador da cidade, impossível não pensar que o lugar inóspito, onde os carros não circulam mais desde “o grande engarrafamento” que parou tudo. Onde a água é um bem escasso e racionado, assim como a comida. Filas, cartões de autorização para circulação, doenças causadas pela poluição, montanhas de lixo. Em meio a tudo isso, em uma trama quase policial, um homem questiona o sistema. E traz para o leitor uma inquietante reflexão sobre um futuro sombrio que não parece ser impossível de acontecer.

20160213_115142As miniaturas, de Andréa del Fuego. Companhia das Letras

Como seria uma repartição pública destinada a organizar os sonhos. O incrível romance de Andréa del Fuego mostra que no Edifício Midoro, na Praça da Sé, milhares de oneiros, funcionários encarregados de cuidar dos sonhos das pessoas, trabalham burocraticamente, sob regras rígidas, nessa lida diária de entrar nas mentes dos sonhadores. Até que a ordem é subvertida, o que dá muita dor de cabeça para um oneiro rebelde. O livro foi resenhado por Renata aqui. O centro de São Paulo respira em torno do edifício Midoro.

 

2017-01-22-20-43-07O retrato do rei  de Ana Miranda. Companhia das Letras

Ana Miranda e sua maestria em contar histórias ficcionais em torno de fatos e épocas do passado. Em O retrato do rei, acompanhamos a saga do transporte de um retrato do Rei Dom João VI entre o Rio de Janeiro e as minas gerais, então fervilhantes pela febre do ouro. Teria o retrato a função de pacificar os paulistas em meio à guerra dos Emboabas, que opunha os bugres do planalto de Piratininga aos portugueses por conta dos altos impostos exigidos pela coroa. Mas o retrato desaparece. E a viagem se torna uma grande e desastrosa aventura. Na trama, conhecemos São Paulo como uma vila de 10 mil habitantes que falavam a “Língua Geral”, uma mistura de tupi com o português e cuja principal atividade econômica era ser a base de partida das sanguinárias bandeiras que adentravam o desconhecido território da colônia em busca de índios para escravizar e ouro para alimentar a sanha da metrópole portuguesa.

 

emigrantesEmigrantes, de Ferreira de Castro. Guimarães Editores (Portugal)

Seguindo a sina de milhões de europeus do começo do século XX, Manuel da Bouça deixa a aldeia natal em terras portuguesas. E se aventura na travessia do Atlântico, em busca de uma melhor sorte. Depois de uma tentativa de viver no Rio de Janeiro, vem dar em terras paulistas. E começa a dura vida de imigrante nas docas santistas, fazendo a estiva de sacas de café. Até que sobe a serra e vem parar na cidade que então fervilhava com a chegada de milhares de estrangeiros de todas as partes do planeta. Estamos a falar de Emigrantes, romance do português Ferreira de Castro, que também ele, antes de ser romancista famoso em Portugal, veio duas vezes ao Brasil na condição de imigrante. Uma vez, na Amazônia. Experiência que deu origem a outro romance, A selva. E uma segunda vez em São Paulo. Pois seu personagem, Manuel da Bouça, refaz seus passos na literatura. Em São Paulo, envolve-se como mercenário na revolução constitucionalista. E vive a dura realidade de quem chega para fazer o trabalho pesado, seja nas fazendas de café de Ribeirão Preto, ou na construção civil da capital. Entre os muitos lugares paulistanos que Ferreira de Castro descreve, destaco a chegada de Bouça ao prédio que hoje abriga o Museu da Imigração:

“A Hospedaria dos Imigrantes, com seu longo renque de janelas e ampla varanda, esguia-se no centro do parque. Nada de majestades deslumbradoras, nem de primores arquitetônicos, que o albergue era para os humildes, para os que iam, sem arrimo, buscas em terra alheia um tassalho de pão. Mas por toda a parte havia asseio e das relvas verdes, da cor suave das paredes, da própria varanda ensombrada, vinha um sorriso doce e confortante.”

 

AdágiosO mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam, de Evandro Affonso Ferreira, Editora Record.

 Nossa biblioteca tem alguns livros recentes que falam de moradores de rua vagueando por grandes cidades. Especialmente São Paulo. Pois se nossa cidade tem mais de 15 mil pessoas em situação de rua, maltratados pela vida e tornados invisíveis pelo preconceito da imensa maioria dos paulistanos, é no excelente romance de Evandro Affonso Ferreira, já resenhado aqui, que encontramos um personagem fascinante. Um mendigo que conhece os adágios do pensador holandês. Como escreveu Evandro na dedicatória que fez a Renata, é “romance da espera inútil”. Leia e se encante com um texto intenso e apaixonante.

 

Irmão Alemão CapaO irmão alemão, de Chico Buarque. Companhia das Letras

Para quem não sabe, Chico Buarque passou parte da infância e toda a adolescência em São Paulo. Estudou no Colégio Santa Cruz e morou nas ruas Haddock Lobo, nos Jardins, e Buri, no Pacaembu. Em seu mais recente romance, O irmão alemão, com forte dados autobiográficos, ele relata a busca de um adolescente por um misterioso irmão nascido de uma relação de seu pai quando estudava na Alemanha. Nessa busca, o jovem passa pelo centro de São Paulo, perambula pela então acanhada rua Henrique Schaumann, sobe e desce a Consolação de táxi ou ônibus, compra cigarros e toma uma dose no bar Riviera. São Paulo é uma das personagens marcantes do romance, que já foi resenhado pelo Lombada aqui.

 

São Paulo na poesia

Já disse em posts anteriores que sou fraco para leitura de poesia. Além da obra de João Cabral, alguma coisa de Drummond e Pessoa, tenho poucas incursões no mundo dos poemas. São Paulo é muito citada em poesias, mas escolhi apenas uma obra para representar o gênero.

 

miroMiró até agora, de Miró de Muribeca. Edições Interpoética

Miró de Muribeca frequenta o Lombada com assiduidade. O genial poeta pernambucano faz incursões regulares em terras paulistanas. E nesta caprichada coletânea de poemas, canta São Paulo em verso. Um dos livros reunidos na obra é por exemplo São Paulo é fogo, um conjunto de quatro poemas sobre a capital paulistana publicado em livreto em 1988. Destaco o breve e certeiro poema Marca passo:I

Dizem que a Paulista

é o coração di São Paulo

eu digo que é o ataque

cardíaco

 

São Paulo nas ciências sociais e no jornalismo

Histórias da cidade. A história da cidade. O olhar de viajantes. As crônicas dos imigrantes. Nossa biblioteca tem alguns livros essenciais para entender São Paulo.

 

IMG_4541Cosmópolis, de Guilherme de Almeida. Companhia Editora Nacional

Renata descobriu em sebos edições raras deste precioso livro do poeta Guilherme de Almeida, um apaixonado por São Paulo e pela paulistanidade. Em 1929, ele escreveu oito crônicas para o jornal O Estado de São Paulo, que foram reunidas em livro só em 1962. São oito textos saborosos sobre comunidades de imigrantes da cidade. Húngaros da Mooca, japoneses da Liberdade, alemães da Santa Efigênia, judeus do Bom Retiro, lituanos, estonianos e letões da Vila Anastácio, espanhóis do Brás, portugueses de Vila Mariana e libaneses da 25 de março. Só não tem italianos, porque esses já estão por toda a cidade. Veja a resenha aqui. E corra atrás desse livro nos melhores sebos.

 

2016-09-12-11-58-14Tristes trópicos, de Claude Lévi-Strauss. Companhia da Letras

Não estranhe. São Paulo é um capítulo à parte na obra mais famosa do etnógrafo francês. Lévi-Strauss fez parte da missão francesa que veio fundar a Universidade de São Paulo. E teve a cidade como base para suas viagens pelo interior, em busca das culturas indígenas. E em Tristes trópicos mostrou sua estranheza com a feiura das construções, a falta de lógica e planejamento da cidade que crescia vertiginosamente nos anos 1930, e a falta de apego dos paulistanos com sua memória arquitetônica. E também observações mordazes sobre a mentalidade da elite da cidade, como nesta passagem:

“Era assim que a burguesia paulistana (responsável pela instituição de uma sessão cinematográfica a preço alto, destinada a protegê-la dos plebeus) vingava-se de ter, por sua incúria, permitido a formação de uma aristocracia de emigrantes italianos chegados a meio século para vender gravatas pelas ruas, e hoje donos das mais vistosas residências da “Avenida”…”

Se você pensou nas salas VIP de alguns shoppings, já entendeu de onde vem essa mania paulistana de erguer muros e separar pessoas. Leia Tristes trópicos. É um clássico necessário.

 

SolidãoSão Paulo: capital da solidão e capital da vertigem. De Roberto Pompeu de Toledo. Editora Objetiva

São Paulo merecia uma biografia feita com esmero. E Roberto Pompeu de Toledo, jornalista, com verve de historiador, foi à luta. Ou melhor. Foi aos livros e documentos dos arquivos públicos e privados. Pesquisou muita coisa. E trouxe para os leitores uma narrativa divertida, meticulosa e muito bem escrita. São dois livros. No primeiro, resenhado aqui, explica São Paulo da fundação ao final do século XIX, o tempo da solidão da vila de bugres e bandeirantes. No segundo livro, que você conhece mais aqui, Pompeu de Toledo narra a era da vertigem, quando São Paulo sai dos pouco mais de 30 mil habitantes para em 70 anos chegar à casa dos 5 milhões. Este livro termina nas comemorações um tanto atabalhoadas do Quarto Centenário da cidade, em 1954. Toledo afirma que vai parar por aí. Mas até que essa biografia poderia vir até o fim do século XX, não é mesmo?

 

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