Tomei um susto no sábado passado quando todo mundo de repente começou a falar sobre o oitavo livro da série Harry Potter. Eu sabia que J.K. Rowling estava escrevendo uma continuação, é claro, mas eu tinha esquecido completamente do assunto até me deparar com as notícias sobre tais e quais livrarias estariam abertas em São Paulo para vender o livro exatamente à meia-noite. Achei que enfrentar as hordas sem uma varinha na mão seria má ideia, então deixei pra comprar o meu exemplar de Harry Potter and the cursed child no dia seguinte mesmo. E, obviamente, parei tudo para devorá-lo em qualquer naco de tempo livre, pra contar pra vocês quais as minhas impressões. Não se preocupem, esse texto não tem spoilers (acho). 😉
A primeira coisa a lembrar é que Harry Potter and the cursed child é o texto de uma peça escrita por J.K. Rowling com a colaboração do roteirista Jack Thorne e do diretor de teatro John Tiffany. Sendo uma peça, este livro traz um formato narrativo bastante diferente dos sete anteriores, escritos em prosa e com descrições abundantes sobre os lugares, criaturas e traquitanas que povoam Hogwarts e o mundo da magia. Numa peça transcrita para o papel, lê-se basicamente os diálogos, com poucas linhas descrevendo contexto, cenário, ambientação e marcações (entra personagem, sai personagem, etc.). Os capítulos, curtos ou curtíssimos, correspondem a cada cena em um determinado cenário. O conjunto do texto é também mais curto que os demais livros da série, pois tudo aquilo precisa caber no tempo de uma apresentação no palco.
Mas e a história?
Cursed child começa exatamente no ponto em que termina Harry Potter e as relíquias da morte: 19 anos depois da batalha de Hogwarts, Harry, Ron e Hermione vão à estação Kings Cross para embarcar seus filhos no trem que os levará à escola de magia. Albus Severus, filho mais jovem de Harry e Ginny Weasley, teme ser selecionado para casa Sonserina e é tranquilizado pelo pai. Ele será o principal personagem dessa trama, junto com alguns outros jovens magos de sua geração e, é claro, os personagens icônicos dos sete livros anteriores – além do trio Harry-Ron-Hermione, Ginny, Draco Malfoy e a Professora McGonagall também aparecem bastante.
Albus sente a pressão de ser filho do mago que derrotou Voldemort e tem uma adolescência, digamos, arquetípica. Sente-se deslocado, não consegue interagir com o pai e tenta provar-se corajoso – atitude que renderá o gatilho para a aventura do livro, que inclui diversas confusões causadas por temerárias viagens no tempo. O cineasta Alfred Hitchcok diria que esse é o McGuffin da trama, a desculpa narrativa pra falar do principal – os relacionamentos humanos. Cursed child é principalmente uma peça sobre os encontros e desencontros e entre pais e filhos, o bom e velho conflito de gerações. Comparado com os livros anteriores da série, ele tem uma densidade emocional maior na interface entre os personagens.
Em compensação, a trama parece um pouco mais frouxa, com soluções meio superficiais para explicar a motivação de alguns personagens e a sucessão de acontecimentos. Mas trata-se de uma peça, e o formato naturalmente impõe algumas restrições ao tempo utilizado na construção de explicações; Rowling parece ter optado por acelerar a aventura, em detrimento das amarrações narrativas. De qualquer forma, a engenhosidade que fez sua fama está lá, intacta.
Em resumo, vale a pena ler? Claro, ué. Trata-se de uma chance imperdível de conferir como a autora imaginou a continuidade do seu universo, criado originalmente para cobrir apenas sete anos na vida de um jovem estudante de magia. Pode ser um pouco decepcionante para quem espera a densidade dos livros seis e sete, mas tudo é uma questão de compatibilizar as expectativas. Repita comigo: é uma peça, não um romance (mais duas vezes: é uma peça, não um romance…).
Para quem não é fã do gênero de fantasia, todo o frisson causado por Harry Potter pode parecer exagerado e até irritante. Mas Rowling prestou um grande serviço à humanidade com seu trabalho, que foi (e vem sendo) o primeiro livro de milhões – sim, eu disse milhões – de novos leitores no mundo. Se esse primeiro contato é com uma obra divertida, extensa, boa mesmo, e sem pretensões moralistas (aleluia amém), tanto melhor.
Tradução
Harry Potter and the cursed child só está disponível em inglês, por enquanto, numa edição de ensaio. Isso quer dizer que o texto original pode ter sofrido alterações ao longo da preparação para montagem da peça, então uma nova versão com algumas variações deve pintar por aí nos próximos meses. Já a edição brasileira sai pela Rocco com o título Harry Potter e a criança amaldiçoada. O lançamento está prometido para 31 de outubro.
Já a estreia aconteceu em Londres no mês passado. Para quem não lembra, o anúncio do elenco foi cercado de polêmica: escolhida para interpretar Hermione Granger, a atriz Noma Dumezweni é negra, o que aparentemente provocou um nó na cabeça dos fãs que tinham Emma Watson na memória cinematográfica. Rowling bancou a escolha e, até onde nos consta, Voldemort não voltou por causa disso. Reza a lenda que a montagem vai circular o mundo, mas ainda não temos detalhes – com o elenco original ou elencos locais? Em inglês ou na língua de cada país? Se houver uma produção local, eu voto linda para termos uma Hermione negra aqui também.
Gostou? Comprando por meio dos links abaixo, você ajuda a manter o Lombada Quadrada.
Amazon | Saraiva | Submarino | Livraria Cultura | Livraria da Travessa
Um comentário sobre “Avada Kedavra!”