Se podemos medir a história de um país pelo seu começo, os males do Brasil podem ser muito bem explicados pelos curtos anos do reinado de D. Pedro I. Primogênito do rei de Portugal, D. Pedrinho de Alcântara passou a infância e a adolescência na colônia, transformada em corte pelas circunstâncias políticas da Europa. Enquanto D. João VI sonhava com a volta a Portugal, Pedrinho entrava na adolescência barbarizando em seu quintal, o Rio de Janeiro. Saía com sua sege nas madrugadas, em alta velocidade, acompanhado de amigos, em busca de aventura. E de mulheres. Foi o primeiro notório playboy brasileiro, desses que hoje estaria fazendo rachas pelas madrugadas paulistanas, barbarizando com uma SUV reluzente, certo de sua impunidade.
Já príncipe regente, Pedrinho foi até a cidade de Santos para uma visita em deferência à família dos Andradas, poderosos e influentes naqueles tempos em que o Brasil virou a sede do reino. E não é que nessa viagem, instado pela insatisfação que corria solta por toda a colônia, e cheio de brios, Pedrinho proclamou a independência do Brasil?
Essa não é a história central do livro A marquesa de Santos, de Paulo Setúbal. Mas também não é apenas a marquesa a figura chave dessa trama.
Com base em profunda e bem cuidada pesquisa histórica, o escritor e historiador publicou em 1925 esta obra que, ao desvendar a vida de uma das personagens mais centrais do primeiro reinado, D. Domitila de Castro, lança luzes sobre como foram os primeiros anos do recém liberto império tropical.
E tudo começa justamente no 7 de setembro, pois foi na mesma data em que proclamou a independência que D. Pedro I conheceu e se apaixonou de forma arrebatadora pela jovem paulista. Paixão que o fez entronizá-la na corte, como amante “oficial” do imperador. Sim. Todos sabiam e pagavam tributos e sessões de beija-mão à “favorita” do imperador, que foi galgando degraus na nobiliarquia do reinado, chegando ao título de Marquesa.
Um dos grandes méritos do livro de Setúbal é a presença constante, e marcante, de um personagem fascinante em toda essa história. Trata-se de Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, amigo íntimo e alcoviteiro do imperador. Talvez o primeiro malandro profissional brasileiro, cantor de lundus e polcas, enfronhado em toda burocracia do Paço Imperial, teve um papel central em muitas das decisões tomadas no curto reinado de D.Pedro I. Vale ler a história do Chalaça contada por José Roberto Torero, que você acha aqui, em edição da Objetiva.
Chalaça fazia um leva-e-traz dos caprichos da jovem amante, usando-os para afastar os poderosos Andradas, nomear ministros e derrubar conselheiros. E, claro, para conseguir benesses para amigos e aparentados. Ele também foi responsável pela derrocada da marquesa, quando esta não cedeu a seus apelos amorosos e a fez inconveniente aos olhos do imperador, então precocemente enviuvado e fortemente pressionado pelos escândalos públicos, que incluíam nomeações de parentes da marquesa e uma filha que tiveram juntos, tornada duquesa de Goiás.
Escrito no começo do século XX, quando o modernismo já dava o ar de sua graça na literatura, o livro de Setúbal carrega no entanto as marcas do século anterior. A linguagem é empolada e tem um incrível número de palavras hoje em desuso na língua portuguesa. Mas a narrativa é fluída e saborosa, embora aqui e ali o autor faça juízos de valor bem moralistas e machistas. Uma pena que a edição para Kindle tenha tantos erros de digitação. Poderia ser feita uma revisão para que o texto integral seja mais confiável.
Nunca tinha lido Paulo Setúbal antes. Autor de carreira efêmera, morreu com 44 anos, vitimado por uma tuberculose. Jornalista e advogado, deixou uma pequena, mas relevante, obra historiográfica, debruçando-se também sobre as biografias de Maurício de Nassau e Fernão Dias. Um de seus filhos, Olavo Setúbal, fundou o Banco Itaú e foi prefeito de São Paulo. Leitura para mergulhar nos bastidores de nossa história.
P.S.: na foto, um detalhe do centro de Santos. Domitila de Castro era paulistana da gema. Talvez jamais tenha ido a Santos. Ganhou o título de Marquesa de Santos em gesto de pura provocação de D.Pedro I para com José Bonifácio de Andrada e Silva, este sim santista, que condenava publicamente a relação entre o imperador e a jovem.
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