A noite de 13 de outubro de 1977 entrou em minha vida para nunca mais deixar de ser lembrada. Eu tinha 10 anos, há um mês de completar 11. Portanto, oficialmente, já estava no “inferno astral” do aniversário que se aproximava. Outro incômodo aniversário que chegaria no comecinho do ano seguinte seria o de 23 anos da longa espera do Corinthians por um título. Em janeiro de 1955, ao empatar com o Palmeiras na derradeira partida do campeonato paulista que marcou as comemorações do IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo e levantar o troféus, os alegres corinthianos de então jamais poderiam imaginar que dali em diante se iniciaria uma infeliz saga de dissabores. Títulos perdidos nas últimas rodadas, decisões de campeonato, como o paulista de 1974 ou o Brasileiro de 1976, perdidos no detalhe. Times competitivos e outros tão ruins a ponto de ganharem o apelido de “faz-me-rir”. Grandes jogadores e técnicos como Dino Sani, Garrincha, Paulo Borges e tantos outros queimados por não conseguir dar ao corinthiano o sabor da primeira colocação. E, um capítulo à parte, Roberto Rivellino, um dos melhores e mais marcantes jogadores que vestiram a camisa alvinegra, passando de promessa, a realidade e infeliz frustração em quase 10 anos de Parque São Jorge, para sair e ser imediatamente campeão no mágico Fluminense de 1975.
Foram 22 anos e 9 meses de sofrimento. Que poderiam ter aniquilado a paixão dos torcedores. Era um time fadado a ver sua torcida desaparecer. Mas a paixão só aumentou. E criou a mítica do corinthiano sofredor, fiel e que jamais abandona seu time. Prova disso veio em 2007, no rebaixamento para a série B do campeonato brasileiro. E na pecha de quarta força dada ao time de 2017, que, ao que parece, só fortaleceu elenco e torcida, que vêm batendo recordes nesta temporada.
Quanto à noite de 13 de outubro de 1977, lembro de cada minuto. Da eletricidade que havia no ar, antes do jogo. Da narração de Luciano do Valle, na transmissão do jogo pela Rede Globo. O tempo suspenso entre o lançamento para a área feito por Zé Maria, o bate e rebate, com direito a bola na trave até que a bola sobrou para Basílio completar e entrar para a história como o pé de anjo. A explosão do gol, a explosão atômica do apito final e a noite mais barulhenta da história de São Paulo. No dia seguinte, aulas suspensas nas escolas do Tatuapé deram o tom da noite insone e da alegre loucura que se espalhou pelo bairro onde eu morava e no qual está a sede do Corinthians.
A narração antológica do gol, feita por Osmar Santos, com o vídeo do lance, você vê aqui.
De lá para cá, o menino de 10 anos cresceu. Para quem escolheu o time do coração contrariando as severidade de um pai que torcia loucamente pela Portuguesa e cultuava um ódio ao Corinthians, contrariando a lógica de ter na família apenas um primo corinthiano, optando por um time que não ganhava nada há duas décadas, o título de 1977 foi apenas o começo de uma gloriosa jornada que vem sendo cada vez mais vitoriosa, como todo mundo já sabe.
Mas estamos aqui para falar de livros. Sobre o Corinthians e sobre corinthianos. São muitos os títulos que existem por aí. Mas comprei até hoje bem poucos. Em minha biblioteca, 3 livros falam sobre o Corinthians. E, dois, sobre personagens centrais na centenária história do Timão. Vamos a eles?
Corinthians, paixão e glória
De Juca Kfouri – Editora DBA
No final dos anos 1990, a DBA convidou alguns dos principais jornalistas do mundo esportivo para retratar seus clubes em livros “de arte”. Edição caprichada, capa dura, fotos e iconografia caprichada. Juca Kfouri, corinthiano de quatro costados, escreveu com lirismo e também com uma dose de ironia a trajetória de paixão e glória do time fundado por operários do bairro do Bom Retiro. Lembrou de Pelé, o maior de todos os carrascos do timão. E, claro, dedica um capítulo à noite de outubro de 77, a mais importante de toda a história do Corinthians. A destacar, a figura de um ilustre e inusitado corinthiano pra lá de fanático: Dom Paulo Evaristo Arns, com a publicação na íntegra de sua Pastoral aos Corinthianos.
Democracia corintiana – a utopia em jogo
De Sócrates e Ricardo Gozzi – Editora Boitempo
Vivi a Democracia Corinthiana de perto. Como sócio do clube, morador do bairro, torcedor e brevemente jogador do infanto-juvenil do basquete. Via Sócrates, Casagrande, Wladimir, Biro Biro, Zenon, Mauro, Alfinete, Zé Maria, Ataliba e todo o esquadrão do bicampeonato paulista de 1982/1983, conquistado em cima do badalado time do São Paulo com o futebol mágico, envolvente e provocante daquele time. Era um adolescente que começava a gostar de política nos anos finais da ditadura. Quer coisa melhor que seu time do coração liderar um movimento por democracia? E ver seus ídolos nos comícios pelas diretas? O livro traz uma linha do tempo que explica como surgiu a ideia de democracia dentro de um grupo de dirigentes de futebol, jogadores, assessores e publicitários. Uma mistura única na história do ludopédio. Uma história do time do povo.
Almanaque do Timão
De Celso Unzete – Placar e site
Torcedor de futebol tem a mania de apelar para números a fim de justificar a superioridade do seu time. Renata sofre com minha memória para estatísticas de confrontos, jogos do passado, detalhes sobre o desempenho de Gamarra, que ficou trocentos minutos sem fazer uma falta sequer, ou os gols de Marcelinho Carioca. Pois Celso Unzete, autor desse almanaque que foi lançado inicialmente pela revista Placar e hoje tem aplicativo e este site, atualizou todos os conceitos de obsessão por estatísticas. Cada jogo, cada jogador, cada gol. Está tudo lá. E você descobre que no confronto contra o São Paulo, o famoso freguês da Vila Sônia, tem mais empates do que vitórias deles. E que apesar dos tais 11 anos sem vencer o Santos em campeonatos paulistas na era Pelé, o Corinthians bota o peixe no bolso.
Sai da rua, Roberto
De Osvaldo Pacoal Pugliese – Editora Master Book
Em 1972 meu pai me levou ao Pacaembu para um Corinthians x Portuguesa. Na época não havia separação de torcidas. E ficamos no lugar que hoje conhecemos como “curva da Gaviões”. Estávamos torcendo pela Portuguesa. E estava 1×0 para a Lusa, que tinha um timaço. O Corinthians não ganhava nada de relevante desde 1954. Até que aconteceu uma falta a favor do time do Parque São Jorge. Bem de frente para o gol onde estávamos. E veio ele, Roberto Rivellino. Uma pancada que fez mais curvas do que roda gigante até cair no ângulo do gol da Portuguesa. Empate, virada e um sonoro 4×1 (placar que confirmei no almanaque de Celso Unzete). Mal sabia seu Henrique que ali estava nascendo um corinthiano. Demorei dois anos para encarar a situação, vencer o ódio do portuga pelo Corinthians e sair do armário futebolístico que me prendia ao time do Canindé. Essa biografia do reizinho do parque é dos anos 90. Tem outra mais recente. Mas o meu exemplar do livro que conta a trajetória do jogador que é citado por Maradona e Pedro Rocha como ídolo tem dedicatória de Riva. Um troféu. Afinal, se não fosse aquele gol de falta contra a Lusa…
Vicente Matheus: quem sai na chuva é pra se queimar
De Luiz Carlos Ramos – Editora do Brasil
“Jogador de futebol tem de ser completo como o pato. Deve ser aquático (nos jogos com chuva) e gramático”. “Sócrates é invendável e imprestável”. “Agradeço à Brahma pelas Antarcticas que nos enviou”. Vicente Matheus foi autor de frases memoráveis. E assumiu outras tantas, espertamente, para fazer jus ao personagem que criou em sua infinita, e muitas vezes tóxica, paixão pelo Corinthians. Para o bem e para o mal, foi o mais simbólico presidente da história do time. Imigrante espanhol, semianalfabeto, dono de um grupo de empresas ligadas à construção civil, usou o Corinthians e também foi um dos seus maiores mecenas. Essa figura contraditória está retratada nessa saborosa biografia que ganhei do amigo Ronaldo de Moura, líder da facção corinthiana no Distrito Federal. Vale a leitura. E as gargalhadas.