A bebida alcoólica esteve fartamente disponível durante a maior parte da trajetória humana desde que foi inventada, há 25 mil anos. Mesmo nos lugares onde o consumo de álcool foi ou é proibido, o enorme esforço moral, social e religioso necessário para manter as pessoas longe dele o tornam um dado bem concreto da realidade, ainda que por oposição. O fato é que experimentar com a consciência é de uma recorrência tão grande na história da humanidade quanto a própria humanidade, e as bebidas alcoólicas têm sido o aditivo mais usado para auxiliar nessas viagens individuais.
Este é o ponto central de Uma breve história da bebedeira, livro do britânico Mark Forsyth lançado no Brasil pelo selo Companhia de Mesa (Companhia das Letras). Sua matéria é a dialética entre os prazeres e as dores do consumo do álcool ao longo do tempo, e em vários pontos do planeta.
Enquanto na Grécia antiga ficar bêbado era não apenas uma consequência, mas uma meta dos simpósios (as reuniões onde homens ricos discutiam assuntos aleatórios pelo prazer de argumentar), os romanos do Império usavam os encontros para beber como uma forma de demonstrar poder, destinando os melhores vinhos aos convidados mais importantes, e os piores aos menos importantes, ostensivamente.
Já para os judeus e os primeiros cristãos, beber era uma forma de comunhão: basta lembrar que um dos milagres de Jesus aconteceu em um casamento e constituiu em transformar água em vinho; além disso, a bebida até hoje representa o sangue de cristo nas missas católicas. Em não poucas ocasiões na história, beber antes de fazer um negócio era mandatório – só assim se atestava a honestidade da pessoa com quem se faria uma transação. Já na Europa da Idade Média, a cerveja praticamente substituía a água, suja demais na maior parte dos vilarejos para ser bebida sem uma careta.
Forsyth trata essa história pelo viés do politicamente incorreto, oferecendo uma profusão de informações superficiais e piadinhas fáceis para amarrar o leitor menos afeito ao rigor da pesquisa científica. Funciona em parte, dada a ampla possibilidade de identificação com o tema (atire a primeira Skol latão quem nunca viu o mundo na diagonal), mas ao mesmo tempo irrita quem gostaria de mais precisão. Passada a primeira dúzia de brincadeirinhas bobas, o livro toma um rumo até interessante quando se volta à bebedeira como forma de socialização, além de instrumento de controle econômico e político.
Assim, Forsyth fala sobre o bar, a cervejaria ou o saloon como espaços de fuga, para onde as pessoas acorrem quando querem dar um tempo de determinada realidade, mais do que se embriagar. No campo político, são especialmente interessantes as narrativas sobre o consumo de Rum na Austrália e a Lei Seca nos Estados Unidos. No início da colonização do território australiano, a bebida era totalmente proibida – o que não significava que não fosse consumida, e até mesmo vendida pelas autoridades locais, como um instrumento de controle social.
Já a Lei Seca, teoriza Forsyth, foi consequência de uma mobilização feminista que tinha como o alvo os ambientes exclusivamente masculinos dos saloons, e não especificamente o álcool. Durante a vigência da Lei, afirma, a proliferação de bares ilegais veio junto com a inédita possibilidade de que as mulheres também frequentassem esses espaços. (Como já dito, o livro carece de profundidade e fontes claras; a relação entre o que ele chama de feminismo e o movimento proibicionista parece ser casuística).
As falhas do livro são muitas, mas ele dá conta do recado se o objetivo for se divertir um pouco e conhecer algumas curiosidades sobre o tão difundido hábito de beber. Além disso, ele chega a uma conclusão interessante:
“Às vezes, se fala-se de uma ‘guerra às drogas’, o que é besteira. As drogas são uma constante. Há apenas uma guerra entre drogas, e o álcool quase sempre a vence. Se o governo realmente quisesse eliminar a heroína, a cocaína ou o que for, poderia fazer isso simplesmente eliminando a taxação da bebida. Somos uma espécie simples, e nossa preferência por um intoxicante depende basicamente de preço e disponibilidade”.
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