Distopia das abelhas

Atire a primeira pedra quem nunca desdenhou do ativismo ambiental. Teve um tempo em que eu não aguentava mais ouvir falar na extinção do mico-leão-dourado, ria de todas as piadas politicamente incorretas contra o tema e achava uma de bichogrilice sem fim a turma do Greenpeace. Não me entendam mal: nunca foi insensibilidade para com a questão mas, analisando agora em retrospecto, talvez houvesse um certo incômodo com a narrativa fatalista que permeava todos os discursos ambientalistas. Uma discordância estética, digamos. Sim, sim, eu sei que vou pro inferno, mas espero que numa condição melhor do que, digamos, Donald Trump.

Porque, obviamente, minha percepção mudou ao longo do tempo – a idade e a leitura fazem dessas, ainda bem, e mesmo que não tivesse sido este o caminho, depois de Mariana e Brumadinho qualquer ser humano é obrigado a repensar certas coisas.

Mas mudou também a narrativa: diferente dos anos 1980, hoje há uma preocupação com as pessoas integradas ao ambiente e este como parte de sua cultura, e não mais uma dicotomia tão explícita entre gente e bicho. O ambientalismo se tornou mais humanista, e aí sim me vejo nele. É por esse caminho que vai Tudo o que deixamos para trás, da norueguesa Maja Lunde. Editado no Brasil pela Morro Branco, é o tipo do livro que eu não tomaria a iniciativa de comprar, mas que adoro receber quando escolhido pelo clube Leia Mulheres do Garimpo.

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História e distopia ao mesmo tempo, o livro se desenrola em três tempos distintos para teorizar como a diminuição do número de abelhas pode acabar levando o mundo a um colapso no próximo século. Na China de 2098, as abelhas já não existem mais e um batalhão de operários trabalha em condições precárias e a salários irrisórios para subir em árvores frutíferas e polinizar suas flores, uma a uma, com um pincel. Tao só deseja uma vida melhor para seu filho pequeno, Wei-Wen, e tenta a todo custo fazê-lo melhorar o desempenho na escola para, talvez, poder trabalhar com outra coisa.

Em 1852, na Inglaterra, o naturalista fracassado William Savage tenta sair da depressão (e da bancarrota) projetando uma colmeia artificial de madeira para substituir as então usadas de palha. Ele espera que sua invenção contribua para os estudos científicos sobre os insetos e se torne uma fonte de renda, garantindo o futuro do seu filho Edmund – William tem também meia dúzia de filhas, mas elas não lhe importam.

E em Ohio, Estados Unidos, em 2007, o apicultor George resiste a formas mais modernas de criação de abelhas, mantendo teimosamente o seu apiário com técnicas tradicionais, enquanto briga com o filho que não demonstra interesse pelo negócio que é patrimônio da família há várias gerações. George ainda não sabe, mas é justamente em sua época que a população de abelhas começa a diminuir inexplicavelmente.

As narrativas se desenvolvem alternadamente para Tao, William e George, sempre em primeira pessoa, sempre tendo os dilemas humanos como motor. Além de terem as vidas determinadas pela presença (ou ausência) de colmeias, os três personagens têm relações conturbadas com os filhos por motivos completamente diferentes, mas todos mediados pelo desejo de deixar uma descendência que seja em alguma medida um espelho e ao mesmo tempo um avanço em relação às suas próprias existências.

Entre o mundo de William no século 19 e o de Tao às portas do século 22, passando por George no tempo presente, assistimos às mudanças da postura humana com relação às abelhas e ao meio ambiente. No tempo de William o desejo era domá-las e no de George usá-las para fazer dinheiro; já Tao vive em um mundo destruído de cidades fantasmas, em que a população humana diminuiu drasticamente por falta de comida, consequência direta do sumiço das abelhas. Mas é nesse mundo destruído de Tao em que as experiências passadas realmente são apreendidas e podem provocar uma mudança de pensamento com relação ao meio ambiente.

Assim, Maja Lunde constrói uma história que transpira ambientalismo da capa à última página, com uma clara mensagem para o hoje, sem, no entanto, soar excessivamente panfletária. A prosa clara bem ao estilo americano promove uma leitura bem ligeira, daquelas em que é difícil largar o livro antes do final, quando se revela uma tênue ligação entre os personagens de tempos e lugares tão distintos. Um bom livro, portanto.

 

Foto de destaque: Boris Smokrovic on Unsplash

5 comentários sobre “Distopia das abelhas

  1. Ei ,

    Eu vejo o site http://www.lombadaquadrada.com e é impressionante. Me pergunto se as opções de publicidade de conteúdo ou banners disponíveis no seu site?

    Qual será o preço se gostaríamos de colocar um artigo em seu site?

    Nota: O artigo não deve ser qualquer texto como patrocinado ou anunciado ou como esse

    Felicidades
    anto desouza

    Curtir

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