Minha primeira leitura de Sejamos todos feministas foi algo irritada.
Tinha ouvido falar de Chimamanda Ngozi Adichie por causa do incensadíssimo Americanah, que ainda não li. E seu pequeno livrinho (pequeno mesmo) sobre a causa feminista pulou na minha frente em alguma livraria, exposto junto com palavras-cruzadas gourmet e quinquilharias cult que deixam espalhadas bem no caixa.
O livro é adaptado de uma conferência que ela deu em 2012 para uma plateia aparentemente desinteressada do assunto. E a razão da minha irritação foi justamente os termos muito básicos com os quais ela colocou a questão feminina. Marquei uma ou duas frases, e só. Esperava algo mais profundo.
Mas aí voltei ao livro ontem, depois de uma semana acompanhando as discussões pela internet sobre a decisão da Fundaj de boicotar os cineastas Cláudio Assis e Lírio Ferreira em função de seu comportamento chauvinista durante a palestra de Anna Muylaert, diretora de Que horas ela volta?. Li coisas inacreditáveis, de homens e mulheres que considerava esclarecidos. E aí lembrei do livrinho de Chimamanda. Ela estava certa – quando o assunto é igualdade de gênero, a gente ainda precisa falar em termos de bê-a-bá.
Sejamos todos feministas parte de experiências pessoais de Chimamanda, principalmente em Lagos, capital da Nigéria, para exemplificar situações cotidinas e aparentemente inofensivas, marcadas pelo machismo. Ela também usa bastante as conversas com seus próprios amigos esclarecidos e, ainda assim, incapazes de perceber o problema: “os homens não pensam na questão do gênero, nem notam que ela existe”. Bingo.
Na verdade, não posso nem dizer que as reações contrárias à atitude da Fundaj foram chocantes. Foram exatamente o que devíamos esperar. Por trás dessas vozes “sensatas” que lançam mão da palavra censura para defender atos de machismo crasso, está o argumento (não dito) de que a reação da plateia e da Fundação foi histérica – exatamente o tipo de comportamento que se atribui pejorativamente às mulheres, por default.
Chocante, de verdade, foi o texto da revista Carta Capital defendendo que, em vez de punir os homens machistas, a Fundação deveria agir para empoderar as mulheres. Uma coisa não exclui a outra, mas pensar dessa maneira é, mais uma vez, jogar para as mulheres a responsabilidade de terem que lidar sozinhas com um comportamento nocivo que não é causado por elas.
Outro argumento calhorda que li por aí: deveríamos nos esforçar para melhorar a sociedade como um todo. Por que lutar só pelos direitos das mulheres? Deixo Chimamanda responder:
Uma vez eu estava falando sobre a questão de gênero e um homem me perguntou por que eu me via como uma mulher e não como um ser humano. É o tipo de pergunta que funciona para silenciar a experiência específica de uma pessoa. Lógico que eu sou um ser humano, mas há questões particulares que acontecem comigo no mundo porque sou mulher. Esse mesmo homem, a propósito, com frequência falava da sua experiência como homem negro.
Sejamos todos feministas lida com essas questões no nível mais básico – e, dou-me por vencida – necessário. Sou pessimista (ou realista?) o suficiente para saber que o livro não tem o poder de tocar nem os machistas enrustidos, aqueles que dão pinta de sensatos no Facebook, quem dirá os broncos.
Mas no dia em que silenciarmos, a humanidade será derrotada junto com a gente.
PS: A xilogravura que ilustra esse post é Yemanjá, de J. Borges.
2 comentários sobre “Bê-a-Bá do feminismo”