10 mulheres pra ler em 2017

10 mulheres para ler agora (e continuar lendo mulheres) é até hoje o post mais lido do Lombada Quadrada, com mais de 18 mil views. Quando o escrevemos, o blog tinha sido retomado há poucas semanas. Tínhamos o desejo de fazer do debate sobre questões de gênero uma de nossas marcas, mas esse primeiro post era só um apanhado das mulheres que por acaso já tínhamos lido até ali. Até então, não havia uma atenção especial a esse ponto no momento em que escolhíamos um novo livro pra ler.

Quem nos acompanha sabe que 2016 marcou uma mudança substancial na forma como fazemos isso. Tanto eu como Carlos nos colocamos a meta pessoal  de ler tantas mulheres quanto homens ao longo do ano – um compromisso individual para compensar a desigualdade no mercado literário, que não publica nem divulga mulheres tanto quanto a qualidade de suas obras mereceria. Esse método se mostrou um excelente caminho para descobrir textos vigorosos e que, no entanto, não recebem a atenção devida nas livrarias, blogs e imprensa.

O movimento #LeiaMulheres foi fundamental nesse processo. Embora não participemos tanto das reuniões mensais quanto gostaríamos, o fato de que há centenas de pessoas conectadas no País em prol da visibilidade feminina na literatura é um estímulo constante e inspirador. Portanto, a nova lista de autoras do Lombada Quadrada é mais diversa, mais qualificada e, sobretudo, mais consciente. Esperamos que se espalhe tanto quanto a anterior, e que estimule novos leitores a conhecer estas e outras excelentes autoras. 😉

1. Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo (Ática) 
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Moradora de uma favela paulistana que não existe mais – foi demolida para a expansão da Marginal Tietê – Carolina Maria de Jesus mal tinha o curso fundamental. Criava três filhos num casebre de tábuas e os alimentava com o que pouco dinheiro que conseguia vendendo papel e metais catados nas ruas de São Paulo. Ainda assim, mantinha com esmero um diário de sua vida e de seus vizinhos, num retrato cru, violento e, ainda assim poético, do cotidiano dos favelados nos anos 1950. A edição feita pelo jornalista Audálio Dantas (que descobriu Carolina quando foi fazer uma matéria na favela) respeita a ortografia deficiente quanto à norma culta, mas rica na fidelidade ao universo da autora. Inexplicavelmente esgotado, consegui meu exemplar num sebo que ainda tem um lote de livros novos a preço justo. Me emocionei inúmeras vezes ao longo da leitura.

2. Conceição Evaristo, Olhos D’água (Pallas Editora)
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Mineira e negra como Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo também tem em comum o período vivido em uma favela – no caso dela, na periferia de Belo Horizonte. Como Carolina, Conceição também fez da literatura sua salvação, e foi além. Hoje doutora em Literatura e professora da UFRJ, ela é também uma escritora fodástica, que alia e seu texto a memória sobre a vivência na pobreza a uma visão aguda sobre a condição da mulher negra na sociedade brasileira. Olhos d’água é um livro de contos que oferece um panorama sensível desses temas, sob o ponto de vista prioritário (mas não exclusivo) da mulher negra, tão silenciada ao longo das eras. Temas como aborto e sexualidade são tocados de forma a trazer profundidade e complexidade a cada pequena história.

3. Toni Morrison, Amada
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A escritora americana Toni Morrison é uma das poucas mulheres a ter recebido o prêmio Nobel de literatura e se inscreve, ainda, na minoria dos negros a terem conquistado a honraria. Amada, seu romance mais conhecido, se passa no período final da escravidão nos Estados Unidos, quando a liberdade já conquistada por parte da população negra tinha limite claro no racismo arraigado na sociedade. O medo do retorno ao cativeiro é um elemento palpável no cotidiano da comunidade afro-americana onde se passa o romance, levando uma das personagens a um ato extremo em torno do qual se desenvolve a trama, que tem um toque sobrenatural. Um dos grandes feitos de Toni Morrison é lembrar o machismo sobre o racismo: ainda que a comunidade desenvolva estratégias de solidariedade para se proteger, as mulheres negras continuam vítimas do silenciamento, do descaso e da violência mais atroz. Veja a resenha completa do livro aqui.

4. Chimamanda Ngozi Adichie, Americanah (Companhia das Letras)
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Ifemelu é uma jovem nigeriana que migra para os Estados Unidos para estudar. E lá, pela primeira vez na vida, percebe que é negra – e o que isso significa no Novo Mundo. Assim, Americanah oferece um ponto de vista diferente da percepção de raça, baseado na vivência da própria autora, em quem a personagem é francamente baseada. A prosa de Chimamanda Ngozi Adichie é bem americana, quase coloquial, com a palavra servindo à narrativa. Não curto muito, mas é inegável o poder desse romance em desconstruir estereótipos sobre a negritude num mundo global. Assim como nos Estados Unidos, a questão racial está quase sempre delimitada pela origem histórica na diáspora escravagista e quase sempre nos esquecemos que ainda há uma África inteira do outro lado do Atlântico, com sua elite intelectual e econômica negra que também pensa e elabora seu lugar no mundo. Chimamanda, além disso, é também autora do curto ensaio Sejamos todos feministas, que serve como uma introdução básica ao tema.

5. Micheliny Verunschk, B de Bruxa (Mariposa Cartonera)
img_20170228_135913327-1São absolutamente deliciosos os 27 poemas curtos reunidos em B de Bruxa. Deliciosos e antropofagicamente feministas. As vozes por trás dos poemas são de mulheres conversando sobre seus companheiros. Se referem umas às outras como irmãs, enquanto debatem qual a melhor forma de comê-los – literalmente comê-los. A alusão ao prazer sexual feminino é direta, mas o grande barato é a subversão de vários estereótipos que se opera em tão pouco espaço de texto. O  homem, inerte, é comido em vez de comer alguém; mulheres compartilham entre si os detalhes da comilança e se apropriam do papel de bruxas, que há milênios é usado pejorativamente para denominar, controlar e matar quem não se encaixa no padrão “bela-recatada-e-do-lar”. O livro saiu em edição artesanal e está à venda no site da Mariposa Cartonera.

6. Sheyla Smanioto, Desesterro (Record)
20161107_153532Um dos melhores livros segundo o Lombada no ano passado, Desesterro é o romance de estreia de Sheyla Smanioto. Aqui, ela reúne uma prosa poética e inventiva – a começar pelo título, um neologismo – a uma estrutura narrativa fragmentada e não-linear para entregar uma história redondíssima de violência sofrida por quatro gerações de mulheres de uma mesma família. Começando pela fictícia cidade sertaneja de Vilaboinha e trazida com uma das personagens para a periferia de São Paulo, a trama de Desesterro cruza a questão de gênero com a da migração e a da exclusão nas metrópoles. O livro é duplamente emocionante: pelo drama na vida das personagens e pela destreza com que a autora faz da Língua Portuguesa sua maior aliada, desafiando-a a cada frase.  A resenha completa você lê aqui.

7. Fabiana Moraes, O Nascimento de Joicy (Arquipélago Editorial)
IMG_4651Saindo da literatura e entrando no jornalismo, este ensaio de Fabiana Moraes aborda os bastidores da reportagem homônima, que acompanhou as agruras de uma agricultora transexual no interior de Pernambuco durante os preparativos para sua cirurgia de mudança de sexo pelo SUS. Publicada pelo Jornal do Commercio do Recife, a reportagem já tinha o enorme mérito de abordar um fato ignorado pela mídia e de fazê-lo com um personagem que em nada lembrava o estereótipo da mulher trans hiper-sexualizada. Joicy, ao contrário, é uma senhora meio calva que se veste com enorme simplicidade. No livro, Fabiana aprofunda a reportagem e fala de sua relação com a personagem, base sobre a qual discorre sobre a pretensa objetividade do jornalismo, seja em seus métodos, seja em seus resultados. Indiretamente, também chama para um feminismo inclusivo, que acolha as trans. Por tudo isso, já defendi aquiO nascimento de Joyce deveria ser leitura obrigatória nos cursos de jornalismo brasileiros.

8. Noemi Jaffe, O que os cegos estão sonhando (Editora 34)
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A primeira parte do livro é a transcrição do diário escrito por Lili Jaffe, mãe da autora, nos dias seguintes à sua libertação do campo de concentração de Auschwitz. Então adolescente, Lili reaprendia a viver no mundo após passar meses no inferno por causa da sua origem. Na segunda parte, em textos curtos, Noemi Jaffe busca entender sua própria relação com o passado da mãe, essa memória do trauma que ela herdou e que lança influências sobre sua vida mesmo que se refiram a algo que se passou anos antes dela própria nascer. O que poderia facilmente se tornar um texto piegas é, na verdade, um livro sóbrio – e incrível. É possível traçar semelhanças entre o diário de  Lili e aquele de Carolina Maria de Jesus: ainda que por motivos diferentes, nos dois casos a fome e a comida são figuras centrais nas duas narrativas do cotidiano.

9. Svetlana Aleksiévitch, A Guerra não tem rosto de mulher (Companhia das Letras)
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A escolha da ucraniana para o Prêmio Nobel de literatura de 2015 surpreendeu o mundo – Svetlana Aleksiévitch era vista até então como uma repórter e seus livros, por consequência, como reportagens. Mas se há algo de claramente jornalístico no processo de apuração de informações e histórias, a escrita não poderia ser mais distante, mesmo do chamado new journalism. Assim como em seus outros livros, A guerra não tem rosto de mulher traz recortes de depoimentos dados à escritora ao longo de sua pesquisa. Sem material de contextualização, sem explicações adicionais, apenas uma outra intervenção breve da autora para falar de sua relação com os personagens. Fora isso, apenas a voz das mulheres que lutaram na Segunda Guerra pelo Exército Vermelho, lembrando as dificuldades de estar no front e depois de sair dele – embora pudessem ser consideradas heroínas, as soldados russas foram amplamente discriminadas em seu próprio País quando a guerra acabou. Não esperava muito dele, mas esse livro foi uma grata surpresa. Leia a resenha completa aqui.

10. Ursula K. Le Guin, A mão esquerda da escuridão (Editora Aleph)
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Já uma senhora, Ursula K. Le Guin foi notícia recentemente por enviar a um jornal americano uma carta ranzinza explicando a diferença entre ficção e mentira – era resposta a um leitor que tentava justificar as presepadas do governo Trump no campo da comunicação citando-a como exemplo. Lendo A mão esquerda da escuridão fica claro que sua autora não ficaria calada diante dessa. Ambientado num futuro muito distante, o livro narra a missão de um terráqueo no planeta Inverno, na borda do universo conhecido, a fim de convencer seus líderes a ingressar numa liga interplanetária de política e comércio. Neste planeta, a raça humana se desenvolveu de forma diferente: não há gênero definido, todos são hermafroditas e podem engravidar. Lidar com a androginia de toda uma população é um desafio claro ao terráqueo, que até então só conseguia pensar em termos binários (homem/mulher). Além dessa óbvia menção à igualdade de gênero, Le Guin também aborda questões como corrupção e sistema de governo. Leia a resenha completa aqui.

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