Vou decepcionar enormemente a extensa legião de fãs que José Eduardo Agualusa tem em terras brasileiras. Não me entusiasmei com A educação sentimental dos pássaros, pequeno livro de contos do angolano. Li a versão para Kindle, da editora portuguesa D. Quixote, impulsionado pela ótima impressão que Teoria geral do esquecimento deixou em Renata. Veja aqui a resenha.
Mergulhei na leitura e tudo começou bem. O conto que dá nome ao livro é vigoroso e instigante. Jonas Savimbi, líder de um movimento político angolano, um escritor, a filha de Savimbi e um jovem de uma família que sofreu os horrores da guerra civil se alternam em depoimentos escritos na primeira pessoa. O mosaico de textos compõe um quadro dos conflitos da longa guerra civil angolana e da herança colonial. Uma biografia de Savimbi de autoria do escritor é um elo que liga as histórias. No arremate do conto, a filha diz ao escritor que o homem biografado, líder cruel e assassino, não é o pai que ela conheceu. Uma deixa para refletirmos a respeito dessa ambiguidade. O pai amoroso, presente na educação dos filhos, carinhoso, pode ser o mesmo que manda assassinar opositores, persegue etnias, espalha o horror. O primeiro não anula o segundo.
O segundo conto, chamado Enquanto o fogo avança, também tem uma força narrativa que mostra a qualidade da escrita de Agualusa. Nos contos seguintes, algo começou a me incomodar. Uma pista para o incômodo está na frase que define o livro na capa: “doze contos sobre anjos, demónios e outras pessoas quase normais”.
Pois bem. Esses anjos e demônios, para o meu gosto, estão excessivamente impregnados de um apelo espiritual, religioso. Não é nada explícito, a não ser no Sermão em Parábolas, mas me incomodou e não consegui ler a segunda metade dos contos sem ficar com a permanente impressão de estar diante de uma literatura fácil. Impressão que se confirmou com Hillary, escrito para um monólogo teatral que foi interpretado há alguns anos por Marília Gabriela. Achei o texto tolo e as notas mentais de Hillary Clinton – sim, ela – em torno da lembrança do episódio Monica Lewinski e de sua iminente posse como nova presidente dos Estados Unidos recebem a interferência de Lilith, o Anjo Negro que induziu Eva ao pecado. Uma aparição pouco convincente, que não capturou este leitor.
Voltarei a Agualusa, em breve, para tentar entender se ele é o escritor dos primeiros contos deste livro. Ou se é o escritor dos textos que são quase fofos sobre anjos e demônios.