Mas esta não é uma noite normal, pelo menos ainda não. Ainda não é completamente certo que haverá um dia seguinte, pois Verónica não regressou da aula de desenho. Quando ela voltar, o romance acaba.
O aviso é dado ao leitor logo nas primeiras páginas de A vida privada das árvores, do chileno Alejandro Zambra. Neste pequeno romance, que não chega a 100 páginas, acompanhamos a longa madrugada de Julián, que espera pela volta de sua mulher Verónica da aula de desenho. Nenhum telefonema, nenhum recado, nada indica que algo possa ter acontecido. E no entanto, ela não volta.
Nessa noite interminável, Julián, um professor de literatura que adia infinitamente a finalização de seu primeiro romance, cuida de Daniela, a enteada. Para fazê-la dormir, cria histórias sobre os segredos da vida das árvores, relatando diálogos entre um álamo e um baobá.
Daniela dorme. Verónica não chega. Julián permanece inquieto.
O romance tem de continuar.
Julián vai ao passado. Resgata memórias de sua conturbada relação com Karla. Lembra que ainda morando com ela resolveu comprar um bolo. E chegou a Verónica, já separada do pai de Daniela, que fazia doces para engordar o orçamento. Gostou do que viu e sentiu. E foi comprando bolos, até que as vidas se entrelaçaram e ele foi morar no “apartamento dos quartos branco e azul”.
A vida transcorreu seu normal, até aquela noite. A noite em que Verónica não chega. E o romance, nos avisa Julián, deve continuar.
A madrugada avança, Daniela acorda, pergunta pela mãe. Uma desculpa evasiva e ela volta a dormir. É quando o narrador salta para o futuro. E imagina seu romance lançado. A enteada, já adulta, lendo o livro que relata aquela noite. A noite em que o romance não acabava. Conversas entre eles. E sempre a ausência daquela noite a permear a vida de ambos.
Para não fazer spoiler, paro por aqui. E começo a falar das impressões que tive ao ler A vida privada das árvores. Leitura que foi rápida. Não apenas pelo texto curto, mas pela fluidez da narrativa e pela curiosidade de saber se o romance acaba mesmo.
Zambra me transportou para duas possíveis leituras a respeito dessa longa noite.
A primeira, remete à ditadura chilena. Verónica não volta. Não há notícias. Tampouco, Julían se aventura a sair pelas ruas em sua busca. Não dá um telefonema, não faz um movimento. A longa noite é também a noite do medo e do terror. E de um certo fatalismo, de quem aceita simplesmente o desaparecimento de uma pessoa. Que não volta, não voltará? Ou voltará torturada? Morta?
Também nos deparamos com a incapacidade criativa de um professor de literatura que relata suas longas manhãs de domingo em que escreve, escreve, mas sem jamais concluir um romance que não tem fim. Será o desaparecimento de Verónica o combustível da escrita? O trauma que destrava o bloqueio criativo? Será o romance este romance?
Zambra constrói uma narrativa atemporal, que habilmente faz com que o leitor busque respostas para aquela ausência. Cada um pode construir sua hipótese. Qual será a sua?
A edição brasileira de A vida privada das árvores é da Cosac Naify. O blog recomenda demais a leitura de Bonsai, outro livro de Alejandro Zambra, também publicado pela editora.
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Um comentário sobre “Que horas ela volta?”