Vou abusar do direito ao livre pensar que marca as resenhas deste blog e farei uma associação entre dois livros, distantes no tempo e na geografia, embora irmanados no idioma. Associação que é totalmente baseada em impressões pessoais, é bom ressaltar. Isso porque o romance O amor não tem bons sentimentos, de Raimundo Carrero, que acabo de ler, me remeteu ao incrível O esplendor de Portugal, do romancista lisboeta António Lobo Antunes, que li no final dos anos 1990.
À medida que avançava na leitura do livro de Carrero, o pensamento confuso de seu personagem Matheus (ou Mateus? Cuidado na revisão, Editora Iluminuras!) me transportava à família de angolanos retratada por Lobo Antunes.
Em comum, pessoas destroçadas pela decadência econômica, assassinatos, a perda de bens materiais e uma total fragmentação dos laços de parentesco.
As narrativas se aproximam por levarem o leitor ao universo psíquico de personagens que entram em crescente paranoia, deixando no ar uma permanente dúvida sobre o limite entre realidade e alucinação.
O jornalista Carrero consegue nos colocar dentro dos pensamentos de Matheus, com a mesma habilidade que o psiquiata Lobo Antunes nos faz penetrar nas alucinações da família de “retornados”, os luso-angolanos expulsos da África pelas guerras de libertação.
À beira do Capibaribe, sol, calor, acordes de saxofone e o corpo de uma menina morta. Assassinato? Acidente? Incesto? Estupro?
Alucinação, paranoia, medo, o fim.
Carrero, mais uma vez, pegou de jeito este leitor com um livro difícil, quase impenetrável e, por isso, belo e instigante.
PS: Depois de avisado por Rafael Monteiro, que estuda este livro em sua dissertação de mestrado, e com o carinhoso recado de Raimundo Carrero, retifico aqui a menção às diferentes grafias do nome de Matheus, que variam à medida em que seu estado mental se altera. Optei por este post scriptum para manter o texto original e assim dar crédito a quem gentilmente me alertou. Agradeço também aos inúmeros compartilhamentos deste comentário sobre um livro tão impactante. De novo, recomendo aos corajosos leitores deste blog que leiam Raimundo Carrero.