Mundos em ruínas

Paula Fábrio ganhou o prêmio São Paulo de Literatura em 2013, na categoria de autora estreante, com Desnorteio. E lançou em 2015 Um dia toparei contigo, seu segundo romance. Demorei a ler o primeiro. E fui rápido para a leitura do segundo, emendando um no outro entre o final de 2015 e o começo de 2016. E valeu a pena. Foi interessante ler dois romances tão distintos um do outro, mas com tantos pontos de contato. Talvez o mais marcante é que as duas obras, em algum ponto, tratam de pessoas e mundos que desmoronam.

DesnorteiosQuando você está com Desnorteio nas mãos, lendo em lugar público, certamente há quem te julgue um maluco que pegou o livro de ponta cabeça e parou ali, fingindo ler. E toda vez que pego o livro, minha tendência é de virá-lo para “corrigir” a posição do título. O livro causa, mesmo, desnorteio.

Começo estes comentários com o elogio à edição da Patuá, uma pequena editora que capricha no projeto gráfico, na qualidade da impressão e na plasticidade das capas. E que vai colecionando prêmios com autores estreantes, seja no Jabuti ou no Prêmio São Paulo.

Pois bem. O romance de estreia de Paula Fábrio estava, para mim, cercado pela expectativa gerada por um prêmio dessa importância. E a autora nos introduz à leitura, em breve nota, dizendo que este é um livro de memórias advindas das histórias de família, misturada a ficções, “desvios costumeiros de quem se dispõe a escrever não os fatos, mas impressões”. Essa é uma das belezas da literatura. Não estar presa a fatos, como o jornalismo. E poder nos levar consigo em viagens ficcionais das mais variadas. Isto, claro, se a ficção e a prosa nos forem convicentes. E Desnorteio o é.

Uma família de Sorocaba é marcada com o estigma da loucura. Irmãos homens que se perdem no labirinto da mente. Irmãs mulheres que tentam se afastar da chaga familiar. A narrativa é construída em pequenos fragmentos que compõe o quadro de decadência de uma casa e de um punhado de vidas. O livro exige muita atenção para descobrir e identificar a cada capitulo qual a voz narrativa que nos conta sua pequena parte da história, parte de um mosaico repleto de surpresas, nem sempre agradáveis.

Para mim, Desnorteio e O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdan, de Evandro Affonso Ferreira, resenhado aqui, são dois incríveis livros deste século XXI que abordam o tema da loucura de uma forma extremamente sutil e poética. E por coincidência (ou não?) a epígrafe do romance de Paula Fábrio é justamente um texto de Erasmo de Rotterdan!

Um dia TopareiÉ preciso estar atento também na leitura de Um dia toparei contigo, o segundo romance de Paula, este lançado pela Editora Foz, em edição correta, com linda capa.

A narradora, uma estudante de pós-graduação, segue para a viagem anual com sua namorada, Virgínia, esta secretária em um banco. Espanha é o destino. E tudo parece caminhar para um idílio cercado de bons vinhos, boa comida, museus, arquitetura e muitas lembranças. Ao longo da história muitas viagens do passado recente de ambas são mencionadas. E este é um ponto interessante para estar atento. Você lê, querendo viajar.

O segundo foco de atenção é para a literatura. Alguns livros são praticamente personagens de capítulos inteiros, mesmo que você não o perceba. Em alguns casos, de forma explícita, como a citação de Paris é uma festa, de Ernst Hemingway. Em outros, como a inserção do ótimo Passageiro do fim do dia, de Rubens Figueiredo, é quase uma resenha do livro, mas é também um ponto de reflexão da narradora acerca de sua relação com o pai, a namorada, o mundo. No final, a editora nos dá a lista dos romances citados. O que já vira uma bela dica de futuras leituras ou releituras.

E do que trata enfim este romance? Duas mulheres que esperam 11 meses ao ano por sua viagem libertadora. Fogem do tédio, da falta de perspectiva profissional, dos pequenos dramas familiares. Mas elas parecem carregar para Madri o tédio, o drama e um certo desgaste de sua relação. E se deixam levar por uma história que envolve um homem em estado terminal e duas vidas em estado de decomposição.

A narradora topa o tempo todo consigo mesma. Envelhecimento, morte, a estupidez do trabalho sem um sentido, a angústia de buscar sentidos para viver, está tudo ali em suas reflexões. É um livro perturbador.

Paula Fábrio não é mais apenas uma escritora iniciante. Percebe-se entre uma obra e outra o amadurecimento da linguagem. E fica a curiosidade pelo que vem adiante. E que seja breve.

P.S.: já temos autógrafo do primeiro. Agora, é encontrar Paula por aí, nas festas e debates literários. E pegar autógrafo para o segundo!

Autógrafo Fábrio

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