O romance A casa dos espíritos, lançado por Isabel Allende em 1982, narra em 446 páginas a história da família Trueba desde seu início, porém focando principalmente em Clara e seu marido Esteban, contando momentos de paixões e lutas emocionais e políticas que os integrantes e amigos da família vivenciam. Ambientado em um país indefinido da América Latina, o livro mostra o conflito entre laços emocionais e desavenças políticas presentes entre os personagens, que se deparam com múltiplos desafios ao tentar manter suas relações enquanto passam por momentos de instabilidade política e até de um golpe e de uma ditadura militar.
“Barrabás chegou à família por via marítima, anotou a menina Clara com a sua delicada caligrafia. Já nessa época, tinha o hábito de escrever as coisas importantes e mais tarde, quando ficou muda, escrevia também as trivialidades, sem suspeitar que, cinquenta anos depois, seus cadernos me serviriam para resgatar a memória do passado e sobreviver a meu próprio terror.” (- p. 9)
Durante todo o decorrer do livro, Clara, uma clarividente e a matriarca da família, registra os mais importantes acontecimentos em seus ‘cadernos de anotar a vida’. Neles, eterniza as mais inusitadas experiências pelas quais a família passa. Começando o livro ainda criança, conforme cresce, faz suas previsões e utiliza seus poderes de clarividência em conjunto com o grande desenvolvimento da personagem. Ainda com 10 anos, Clara prevê então a morte de sua irmã mais velha Rosa, acontecimento que a traumatiza a ponto de levá-la a ficar muda; ela decide que não irá falar mais.

Clara só volta a falar quando faz 19 anos, e é para dar um anúncio: ia se casar com Esteban Trueba, pretendente de sua irmã antes da morte da mesma. A partir daí, o livro conta a história de Clara, Esteban e seus três filhos, Blanca, Jaime e Nicolás, incluindo os grandes períodos de tempo que decidem passar em Las Tres Marías, a fazenda da família de Esteban.
“Desde o primeiro dia, Clara compreendeu que havia lugar para ela em Las Tres Marías e, como, aliás, registrou em seus cadernos de anotar a vida, sentiu que afinal havia encontrado sua função no mundo.” (-p. 113)
Com laços extremamente fortes entre as duas, Clara e Blanca passam anos oscilando entre relações ótimas e péssimas com Esteban, um homem com personalidade forte, e posicionamentos extremamente conservadores que colocam a família em conflito, como por exemplo a reação dele ao pai de Alba, filha de Blanca, Pedro Terceiro Garcia, que causa enorme impacto na família.
Ao passar dos anos, e o consequente passar da narrativa, o país se envolve em mais turbulências políticas, que resultam também em conflitos familiares para os Trueba. Em paralelo, as mortes na família e no país causam cada vez mais brigas, mas sem modificar o amor que os parentes sentem um pelo outro.
“Tal como no momento de vir ao mundo, ao morrer temos medo do desconhecido. Mas o medo é algo interior, que nada tem a ver com a realidade. Morrer é como nascer: apenas uma mudança.” (-p. 301)
Um dos aspectos mais marcantes durante a leitura é como as mulheres são as maiores protagonistas, tendo sempre um papel muito importante. Além disso, é interessante notar como as principais personagens femininas de dentro da família têm nomes que simbolizam claridade e luz: Nívea, Clara, Blanca e Alba.
No geral, o livro é um romance incrível, que, por mais que traga aspectos sobrenaturais, continua verossímil, como um bom livro de realismo mágico. Narra um cotidiano extremamente característico da América Latina em múltiplos aspectos, e tem um aprofundamento que dá conta de ao mesmo tempo mostrar o estado do país como um todo, e da família Trueba especificamente.
Assim, ainda que suspeita para falar uma vez que a escolha de meu nome ser Clara é totalmente inspirada na protagonista do livro, afirmo que é uma leitura indispensável por sua capacidade de mostrar todos os aspectos que influenciam na vida da família. Além de tudo, o livro também pode ser relacionável aos dias atuais, com conflitos políticos atemporais, reforçando o quão forte essa leitura é.
“Você tem muito a se fazer; por isso, deixe de se lamentar, beba água e comece a escrever.” (-p. 427)
PS: este post é a segunda colaboração de Clara Jovchelevich Carvalho, 15 anos, estudante do 1º ano do Ensino Médio. Há alguns meses ela escreveu esta resenha sobre o romance A menina que roubava livros. E neste outro post, explico como o nome dela foi inspirado no capítulo Clara, clarividente, de A casa dos espíritos. Clara é devoradora de livros e tem especial gosto por histórias policiais e de mistério.