Logo, o rastilho se espalhou pela cidade de V., subindo ladeiras, atravessando ruas, estourando nos ajuntamentos de pessoas pelas calçadas, que é assim que se comportam as notícias de morte, caminhos de pólvora a estalar em alta velocidade. Embora não se faça necessário, mas para que depois o leitor não me vá acusar de gosto pelo obscuro, esclareço que Teresa cometeu suícidio, ou foi por ele acometida, talvez seja mais exato.
Cito este trecho de Nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida para iniciar este post, oferecendo a vocês uma pequena amostra de uma narrativa poderosa, original, envolvente e bem escrita, muito bem escrita.
O romance da pernambucana Micheliny Verunschk ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria estreante com a história do surgimento de uma estranha devoção a uma menina suicida na imaginária cidade de V., escondida em meio a uma serra, em um lugar sem tempo e espaço definidos.
O romance é narrado por um homem de idade indefinida, um ancião, que testemunhou acontecimentos em torno de Teresa. Ele chama o leitor para uma conversa. Faz muitos alertas sobre os tortuosos caminhos que a narrativa vai tomar. E vai nos guiando por tramas paralelas, que misturam vida e morte da menina Teresa, sua família, a cidade que a torna santa, o padre que percebe nela um imenso e infinito filão de ouro a ser explorado por sua igreja e, principalmente por ele mesmo.
Gosto demais de livros que nos obrigam a estar atentos. Verunschk não nos dá um segundo sequer de relaxamento. Precisamos entender subtextos para compreender o porque de uma menina com supostos poderes de vidência, cujos pais jamais a quiseram santa, ter sido enredada em uma trama de poder, capaz de levar um padre a ser Papa, uma cidade à loucura e à devoção e uma menina ao suicídio.
Nossa Teresa é também uma investigação literária, livre de qualquer compromisso sociológico, sobre a gênese da estranha devoção do catolicismo aos santos. Ao terminar a leitura, as respostas não são cristalinas. Sabemos que os santos nascem dos modos mais improváveis, irracionais e fantásticos, ligados a milagres que não conseguimos comprovar e compreender. O que podemos entender é a capacidade humana de criar mitos. O narrador nos alerta que “embora saibamos, eu e você que os milagres, esses efeitos especiais, não passam de fogos de artifício, distrações que evitam o foco no verdadeiro escândalo, o fato, ou o vazio, de que, animais presunçosos, não sabemos quem somos ou para que somos ou por quem somos. E por não sabermos é que esculpimos deuses, qualquer mágica que nos console, que nos anime, que nos tire do desespero de não sabermos.”
A edição de Nossa Teresa – vidade morte de uma santa suicidade é da caprichosa editora Patuá, com lindas ilustrações de Leonardo Mathias. Estamos diante de um dos melhores livros de autores brasileiros nesta década. Leia e volte aqui para comentar e compartilhar suas impressões.
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4 comentários sobre “Como nascem os santos”