5 páginas abertas da América Latina

Em 1988 participei em Quito, no Equador, de um encontro latino-americano de produtores de vídeo popular. Depois de um passeio pela cidade tomei um táxi para voltar à casa do amigo Elson Faxina, que me hospedava. Conversa vai, conversa vem, e o taxista pergunta se eu era mesmo brasileiro. O espanto dele vinha de eu ter mostrado conhecer um pouco da história recente do Equador, de me esforçar em falar portunhol e perguntar onde poderia comprar livros e discos de autores equatorianos. “Brasileiros parecem ter vergonha de vir ao Equador”, dizia ele. “Entram no táxi falando dos Estados Unidos, da Europa e se apressam em dizer que só estão aqui por causa de trabalho”.

Muita coisa mudou de lá pra cá. E é bonito ver brasileiros aos montes pelo caminho de Cuzco, desvendando as paisagens chilenas, se interessando pelas praias do Caribe e pelas belezas do México. Mas quando se fala de literatura as coisas parecem não ter mudado muito. Se excluirmos os leitores atentos e curiosos, veremos que os poucos autores latino-americanos que chegam ao nosso mercado editorial passam, antes, pelo aval dos europeus e norte-americanos.

Foi necessário García Marquez ganhar o Nobel para ser famoso por aqui. Vargas Llosa, Isabel Allende, Cortázar, Borges, Sábato. Todos, de alguma forma, chegaram a nós por meio do sucesso e prestígio conquistado fora da América Latina. A consequência disso é que temos pouco acesso a autores contemporâneos. E até mesmo pouca informação sobre clássicos fundamentais, como Pedro Páramo, de Juan Rulfo, pouco difundido entre nós e que resenhei aqui, depois de leitura recente, que foi arrebatadora.

Na semana passada, dias antes de partir para viagem de férias a Buenos Aires, fiz um apelo no Facebook pela indicação de autores latino-americanos. E foram poucas as dicas. O que mostra que mesmo leitores frequentes conhecem pouco a respeito da cena literária da região.

Ressalto a presença recente de autores como Bolaño, Pedro Juan Gutierrez e Zambra, que conseguem algum espaço na mídia e nas livrarias.

Este post é antes de tudo um convite ao compartilhamento de dicas de leitura. E a promessa de que tentarei trazer novidades das livrarias portenhas.

E, como prometeu o título, seguem pequenos resumos de cinco leituras marcantes de autores latino-americanos.

 

Gracias por el fuego, de Mario Benedetti

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Autor que conheci pela poesia engajada, Benedetti tem alguns de seus principais livros publicados no Brasil por diversas editoras. Sugiro A borra do café e A trégua como boas referências. Mas, Gracias por el fuego, um lindo e denso romance de formação que retrata uma geração que levou o Uruguai ao abismo da ditadura. O fracasso dos projetos nacionais, as ideias compradas de fora e mentalidade reinante de que o subdesenvolvimento é resultado da falta de mérito de uma população permeiam um belíssimo livro humanista. E pessimista. No Brasil, há uma edição da LP&M com tradução certamente ótima de Eric Nepomuceno. Li a edição uruguaia de 1989, a primeira liberada depois do fim da ditadura, que proibiu o romance, publicado em 1965, de circular durante quase 20 anos.

 

A ocasião, de Juan José Saer

2017-07-16 23.21.26

O argentino Saer morreu em 2005, ano em que a Companhia das Letras publicou o romance originalmente lançado em 1987. Não tenho conhecimento de outras obras dele em português. Mas a história de um ocultista europeu que foge de Paris, após ser perseguido por pessoas a quem prejudicou com seus truques, e chega a uma inóspita região do sul da Argentina é incrível. Ao se embrenhar na Patagônia o ocultista vai se tornando proprietário de terras. E à medida que enriquece, perde seus poderes e se vê envolto em uma sucessão de tragédias. Uma das marcas desse romance é mostrar uma Argentina de europeus que empreenderam uma rápida e bem sucedida ocupação de terras, tornando-se senhores de um vasto território outrora pertencente a populações indígenas. Qualquer semelhança com toda a história da América não terá sido mera coincidência. Saer é também um autor que transborda humanismo. Não sei se você vai achar A ocasião em livrarias. E nem sei se está ainda no catálogo da Companhia. Mas vale procurar nos bons sebos. A satisfação é garantida.

Arrecife, de Juan Villoro

2017-07-16 23.22.33

Este livro chegou à nossa biblioteca por causa da Flip. Em 2014 assistimos a um belo debate com o autor. E compramos a edição espanhola dessa obra que está publicada no Brasil pela Companhia das Letras. Já publiquei aqui a resenha dessa história que mostra um desajustado ex-vocalista de uma banda de rock mexicana ganhando a vida fazendo trilha sonora para ricos hóspedes de um estranho resort à beira-mar em um paraíso mexicano. Uma trama policial, com cadáveres, traficantes de drogas e passeios de um resort que propõe a seus hóspedes aventuras como assistir a um confronto entre gangues do tráfico. Um retrato cru de nossa América Latina, invadida por hordas de turistas gringos em busca de emoções primitivas. Ainda preciso ler mais Villoro.

 

Wasabi, de Alan Pauls

2017-07-16 23.22.25

O pequeno e denso romance do argentino, que já resenhei aqui, retrata um jovem escritor portenho que tem a sorte grande. Ganha uma bolsa para residência artística na França. Tudo lindo e maravilhoso. Até que uma sucessão de acontecimentos tornam a vida do narrador um inferno ardido, tal como o ingrediente da culinária japonesa, que pode ser bem incômodo se consumido em grandes quantidades. Pauls tem uma escrita concisa e direta. Livro para ser devorado em uma tarde na rede ou em uma viagem longa de avião. O romance foi publicado no Brasil pela Iluminuras. De Alan Pauls resenhei também o delicioso ensaio sobre praia, que você lê aqui.

 

A casa de papel, de Carlos María Dominguez

2017-07-16 23.22.14

Não tinha ideia de quem era Dominguez antes de me deparar com um exemplar de A casa de papel perdido no meio de livros de gastronomia da Livraria da Vila. Me apaixonei pelo projeto gráfico e levei para casa o pequeno volume que tem um romance incrível, já resenhado aqui. Uma história de pessoas que têm obsessão pelo objeto livro. Não sem uma pitada de mistério provocada pela morte súbita, por atropelamento, de uma pesquisadora inglesa, que leva seu amigo argentino a uma busca insólita por terras uruguaias. Correspondências misteriosas, viagens em busca de elos perdidos. E, sobretudo, uma história de veneração pelos livros. A edição, incrível, lindamente ilustrada por Helena Campos e com tradução de Joca Reiners Terron deixa no ar a curiosidade sobre o autor, de quem jamais ouvi falar novamente.

 

E você? Que autor latino-americano leu recentemente? Compartilhe suas dicas com o Lombada Quadrada.

5 comentários sobre “5 páginas abertas da América Latina

  1. Infelizmente, tudo que você colocou é verdade. E mesmo os cânones latino-americanos, também são pouco lidos por aqui. Eu mesma, estou começando a lê-los agora. Só lia Pablo Neruda e Isabel Allende (ainda assim não era muito). É um problema sério isso, ainda estamos de costas para América Latina. Abraços.

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