Em meados do ano passado o coletivo feminista da escola onde estuda minha enteada decidiu montar uma pequena biblioteca feminista. A ideia é ter uma estante de livros na escola para que qualquer aluna (ou aluno) pudesse consultá-los, levá-los pra casa, aprender um pouco.
Vale a pena contextualizar como surgiu esse coletivo: a escola fica em um bairro nobre de São Paulo, frequentado por pessoas que trabalham em escritórios de variadas naturezas – gente de negócios, em resumo. Muitas estudantes circulam pelo bairro a pé, porque moram perto ou porque vão almoçar por ali quando têm aula nos dois turnos.
Pois é claro que elas têm que ouvir toda sorte de assédio enquanto andam por perto da escola. Estamos falando de meninas de 12 a 18 anos, mais ou menos, circulando pelo famoso Quadrante Sudoeste de São Paulo, região que têm taxas sociais equivalentes às dos países escandinavos.
Chegou no ponto em que algumas mães e pais sugeriram que a escola proibisse que as alunas usassem shorts porque, na lógica deles, isso reduziria o assédio. A sugestão incluiria os dias de aulas de Educação Física.
Não julgo os pais e mães: como mulher nesse mundo, meu comportamento é moldado pra sobreviver até o fim do dia, o que inclui uma lista de atitudes e pequenas decisões que podem parecer esquisitas, mas que incluem, por exemplo, não sair na rua sem sutiã. Faço isso na vã tentativa de reduzir a possibilidade de tretas. Eu sei conscientemente que não sou eu, meus peitos ou a falta de sutiã – só quero chegar em casa sem ter que brigar com ninguém.
Entendendo que não importaria a roupa, elas continuariam sendo assediadas, as meninas reagiram de maneira inesperada. Fundaram o coletivo feminista, que desde então vem liderando discussões no ambiente escolar sobre vários outros problemas relacionados à desigualdade de gênero – da participação igualitária em práticas esportivas a estratégias para defesa em caso de abordagens indesejadas nas festinhas.
Foi no meio desse caldo que surgiu a ideia da pequena biblioteca feminista – e adivinha quem contribuiu elaborando uma lista? 😀
Com o 8 de março se aproximando e para festejar que a base vem forte, como dizemos no futebol, compartilho com vocês o que mandei como sugestão para o coletivo. Tem de tudo um pouco – romance, conto, poesia, ficção científica, quadrinhos, jornalismo, futebol e teoria feminista
Eu li a maior parte dos livros e alguns deles inclusive já foram resenhados aqui no Lombada (os que estão linkados). Outros poucos eu não li ainda, mas sabendo de sua importância, foram incluídos também. Não morro de amores por todos eles, mas se estão aqui, é porque suscitam a possibilidade de discussões interessantes sobre a condição da mulher ao longo do tempo e do espaço – esse foi basicamente o critério adotado.
Como toda lista, esta é arbitrária, incompleta e falha. Então fica aqui a convocação: o que faltou? O que você incluiria? Indique pra gente nos comentários!
FICÇÃO CIENTÍFICA
Mary Shelley – Frankenstein
Nathalie Lourenço – Sabor idêntico ao natural
Octavia Butler – Kindred
Suzette Haden Elgin – Língua Nativa
Ursula K. Le Guin – A mão esquerda da escuridão | Os despossuídos | Floresta é o nome do mundo
FEMINISMOS
Angela Davis – Mulheres, raça e classe | Mulheres, cultura e política
bell hooks – Teoria feminista | Eu não sou uma mulher?
Chimamanda Ngozi Adichie – Sejamos todos feministas
Françoise Vergés – Por um feminismo decolonial
Grada Kilomba – Memórias da plantação
Lélia Gonzales – Por um feminismo afro-latino-americano
Silvia Federici – Calibã e a bruxa
Virgínia Woolf – Um teto todo seu
ROMANCES
Aline Bei – O peso do pássaro morto
Ana Miranda – Amrik | Desmundo | Xica da Silva
Andrea del Fuego – Os Malaquias | A pediatra | As miniaturas
Carolina Maria de Jesus – Quarto de despejo
Carolina Nabuco – A sucessora
Charlotte Perkins Gilman – O papel de parede amarelo
Clarice Lispector – Perto do coração selvagem | Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres | A paixão segundo G.H. | A hora da estrela
Débora Dornellas – Por cima do mar
Elena Ferrante – A amiga genial e continuações (Tetralogia Napolitana) | A vida secreta dos adultos
Elvira Vigna – Como se estivéssemos em um palimpsesto de putas
Natália Ginzburg – Léxico familiar
Noemi Jaffe – O que os cegos estão sonhando
Marilene Felinto – As mulheres de Tijucopapo
Maria Firmina dos Reis – Úrsula
Micheliny Verunschk – Nossa Teresa | O som do rugido da onça | Trilogia infernal
Roberto Bolaño – 2666
Salva Almada – Garotas mortas
Scholastique Mukasonga – Baratas | A mulher de pés descalços
Tatiana Salem Levy* – A chave de casa
Toni Morrison – Amada | O olho mais azul
Virginia Woolf – Mrs. Dalloway
*Aqui vale uma explicação. Não incluí Vista chinesa pensando que poderia ser muito pesado para adolescentes, mas este romance de Tatiana Salem Levy evidentemente entraria numa lista para adultos.
POESIA
Angélica Freitas – O útero é do tamanho de um punho | Canções de atormentar
Micheliny Verunschk – B de Bruxa | O movimento dos pássaros
Mar Becker – A mulher submersa
Yasmin Nigri – Bigornas
CONTOS
Clarice Lispector – Felicidade clandestina
Lilian Guerra – Perifobia
Lucia Berlin – Manual da faxineira
Jarid Arraes – Um buraco com meu nome
Giovanna Madalosso – A teta racional
DIVERSOS
JORNALISMO
Dráuzio Varela – Prisioneiras
Fabiana Moraes – A pauta é uma arma de combate | O nascimento de Joicy
Svetlana Aleksiévitch – A guerra não tem rosto de mulher | O fim do homem soviético
FUTEBOL
Aira Bonfim – Futebol feminino no Brasil: entre festas, circos e subúrbios, uma história social (1915-1941)
Osmar Souza Júnior e Heloísa Reis – Futebol de mulheres: a batalha de todos os campos
HISTÓRIA EM QUADRINHOS
Alison Bechdel – Fun home
Liv Strömquist – A origem do mundo
Marjane Satrapi – Persépolis
Descobri o Lombada Quadrada recentemente e fiz questão de ler tudo o que eu consegui nesse meio tempo.
Como uma mulher negra, é bom demais ver que o nosso lado também está sendo observado na escolha destes livros, com a Chimamanda, Bell Hooks, entre outras.
O trabalho de vocês é muito necessário.
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Que comentário lindo! Obrigada pela leitura e pela mensagem ❤
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Que massa! Bem vinda. Comente, compartilhe, traga suas sugestões de leitura. Valeu!
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Ótima seleção.
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Que projeto maravilhoso, o das meninas dessa escola! É claro que deve haver um coletivo feminista delas. Muito corajosas. Sugerimos um livro básico e muito útil, usamos aqui na Escola Feminista em todos os nossos cursos. É “O Livro Negro da Condição das Mulheres”, organizado pela Christine Ockrent e muito informativo! Na poesia, está faltando a maior poeta do Brasil, a Cecília Meireles.
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